blog em memória da gazetilha que "circulou na cidade de Cachoeira do Arari (ilha de Marajó, Estado do Pará) no biênio 1906 / 1907. Fôlha pequena, a 3 colunas. Redigido por Alfredo N. Pereira." (cf. Carlos Rocque, "Grande Enciclopédia da Amazônia"). O editor era meu avô paterno, usava tipográfica manual no Chalé celebrizado nos romances de Dalcídio Jurandir, notadamente "Chove nos campos de Cachoeira" e "Três casas e um rio".

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

declaração de um teimoso voto facultativo

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Há muito tempo, fui "encomendado" por meus pais, por método tradicional, na periferiazinha da vila Itaguari [Ponta de Pedras, ilha do Marajó]chamada, com graça e propriedade, o Fim do Mundo... Por necessidade médica, minha mãe atravessou a baía em canoa à vela para ter parto natural de seu primeiro filho na maternidade da Santa Casa em Belém do Pará, onde eu vim ao mundo no dia 30 de outubro de 1937.

Mero acidente geográfico. Pois, com poucos dias de nascido, deram-me nome cristão e batismo na igreja da Santíssima Trindade e logo fizemos velas de retorno à ilha natal da antiga família marajoara, da qual uma de minhas avós houve raízes indígenas e outra era imigrante da Galícia de segunda geração. No ano que eu nasci, meu avô paterno, fundador da gazetilha "O Arary", aqui representada; foi informado pelo atravessador João Catumbí, nosso parente por parte de minha falecida avó tapuia Antônia Silva; que o jornalista seu filho e meu tio paterno Dalcídio José Ramos Pereira [Dalcídio Jurantir] estava preso no Presídio São José, lugar de triste fama. Mas também lugar histórico, segundo o historiador Barão de Guajará, na Cabanagem quando era quartel e a tropa se amotinou e passou ao lado rebelde às ordens de um certo capitão Gomes Varela, cujo nome sugere origem galega...

Pobre avô Alfredo Pereira, amigo de fazendeiros, ter o filho preso entre ladrões de gado! Ainda por cima acusado de comunista, era demais para o devoto de Santa Rita de Cássia: cuja imagem segundo a história oral da família foi achada por meu bisavô Raymundo Pereira, Voluntário da Pátria, em campo de batalha na Guerra do Paraguai. Coube então a meu pai viajar a Cidade para se inteirar dos fatos e trazer notícia ao velho Pereira. Sidraque Pereira, irmão adotivo e soldado da PM, com mil cuidados dando guarda no presídio conseguiu trazer recado do preso escrito num pedaço de papel: "queimem meus livros", dizia a mensagem.

Como se está lembrado era tempo da II Guerra Mundial e a bruxa estava solta no Estado Novo com a polícia fascista de Felinto Muller. Cresci na ilha do Marajó à margem da história ouvindo estórias do arco da velha com raras viagens a Belém e uma tragédia familiar com internamento psiquiátrico de minha mãe no horroroso Hospício Juliano Moreira. Cerca dos 20 anos de idade, desenganado da vida rural e da pequena burguesia pontapedrense, deixei com a família a antiga herdade do avô camponês Francisco (aliás, Celestino) Pérez Varela e fui buscar trabalho e estudo na cidade grande. Sabendo escrever e ler corretamente, todavia completamente analfabeto político fiz um percurso invulgar para um caboco ilhano da minha laia, errando pela direita até me tocar e procurar minha turma na esquerda comunista. Fui repórter e cronista bissexto, publicando entre outras coisas um provocativo folhetim "A Face Oculta do Ver O Peso", com que a mosca azul me picou e eu larguei o empreguinho (sem carteira assinada) no jornal para entrar de cabeça uma utópica aventura eleitoral, aos 23 anos de idade, ao lado do veterano ex-prefeito Fango Fontes em disputa, respectivamente, dos cargos de vice e prefeito de Ponta de Pedras. A gente sabia que não tinha chances de ser eleitos, mas tirando votos da velha oligarquia local favorecer uma virada no panorama de aldeia. Foi o que sucedeu, com eleição de Nhorito Noronha, do velho PTB de Jango Goulart e eu me empolguei com a Reforma Agrária: se já não bastasse ser sobrinho do comunista Dalcídio Jurandir, dali em diante mais que nunca fui taxado de comunista (até fui honrado de expulsão do reacionário PRP, onde peguei o bonde errado; como "perigoso agitador do comunismo internacional"... eu que, então, além de Belém e Marajó só conhecia Abaetetuba e Bragança!)

Foi quando conheci um dos mais íntegros e competentes juízes de Direito do Estado do Pará: Ary Mota da Silveira e ao lado dele assisti, da porta do "Café Albano", desfile de caminhões da empreiteira ECIR conduzindo soldados no golpe de 64. Lembro-me ainda ouví-lo dizer: "lá vai o filho da lavadeira contra o filho da lavadeira"...Nunca me esqueci da mais cristalina lição política sobre a manipulação da classe burguesa sobre a classe dos trabalhadores.

Estou escrevendo estas lembranças pensando no próximo dia 31, decidido a repetir a dose do primeiro turno e votar nas candidatas do Partido dos Trabalhadores (PT)-- Ana Júlia e Dilma -- para "festejar" meus 73 anos de idade e comemorar o aniversário natalício do Presidente Lula, hoje, 27 de outubro. Já fui "alforriado" do voto obrigatório e, portanto, apesar do feriadão vou à urna com meus "pareceiros" analfabetos, os moços e os velhos do voto facultativo.

O candidato adversário ao governo popular do Pará canta larga vitória animado por pesquisa de intenção de voto. Portanto, a se crer na pesquisa além do meu voto ser facultativo ele será, coitadinho, inútil. Mas, eu não me intimido nem arredo pé! Ao contrário da multidão de marias-vai-com-as-outras; tenho vasta coleção de votos vencidos, dos quais eu não me arrependo. Não tenho nada pessoal contra o ínclito economista Jatene, ex-governador e canditado tucano, até joguei meio tempo nesse time em época em que o PSDB parecia um avanço sobre o passado. Mas agora, mais que nunca, a modernização conservadora que foi marca registrada da pseuda social-democracia brasileira, é retrocesso certo debaixo do marketing colorido.

Como diria o ilustre prof. Theotonio dos Santos em carta aberta a seu colega Fernando Henrique Cardoso, gosto de vocês mas os quero longe do poder. No caso do caboco que vos fala, não morro de amores pelo governo PT, mas os cabocos temos instinto de sobrevivência e o pouco alcançado pelo Povo Marajoara veio com Lula e Ana Júlia, depois de quatro séculos de opressão colonial. Uma volta ao passado colocaria seriamente em risco o pouco em troco do nada. Ainda que as festas da feliz elite burguesa faça um rio de cerveja para tontear os mais tolos.

Mal com o governo do PT, pior sem sem ele; esta gente!

terça-feira, 19 de outubro de 2010

acampamento "Dalcídio Jurandir"

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a arte imita a vida. Em 1939, na vila de pescadores de Salvaterra, quando Dalcídio escreveu o primeiro romance sociológico brasileiro, chamado "Marajó"; ele não imaginou que a presepada do personagem Missunga (filho do latifundiário coronel Coutinho), ao fazer arremedo de reforma agrária nas terras da fazenda Marinatambalo, no rio Paricatuba, viria ser de verdade a regularização fundiária da comunidade ribeirinha marajoara.

muito menos, o romancista da Amazônia pensou que um dia no cenário do massacre dos sem-terra de Eldorado de Carajás viesse a existir, 50 anos depois da escritura de "Marajó", um acampamento de assentamento do MST chamado "Dalcídio Jurandir". Ver a seguir:

Por João Márcio
Da Página do MST

http://www.mst.org.br/MST-garante-producao-em-antiga-fazenda-de-Daniel-Dantas

No dia 24 de outubro, 390 famílias do acampamento Dalcídio Jurandir completam dois anos de ocupação na fazenda Maria Bonita, do grupo Santa Bárbara, ligado ao banqueiro Daniel Dantas, em Eldorado dos Carajás (PA). O cenário, antes de pastagem e desmatamento, vai dando lugar à diversidade de plantação. Hoje, os acampados plantam mandioca, batata, mamão, maracujá, arroz, feijão e todos os tipos de hortaliça, além da produção artesanal de farinha.

A fazenda Maria Bonita, segundo o técnico de saúde Enivaldo Alves dos Santos, um dos coordenadores do acampamento, era, antes da ocupação, a área que mais tinha boi por hectares na região do Pará. “Chegamos aqui e tinha só pasto e boi. Agora, plantamos de tudo para comer e vender”, explica. Segundo o professor de agronomia da Universidade Federal do Pará (UFPA), Fernando Michelotti, o acampamento e o futuro assentamento dessas famílias na região seria propício “para a recuperação de áreas devastadas para a criação de gado, até porque o fazendeiro desmata 4 mil hectares por ano, enquanto o pequeno agricultor, no mesmo período, desmata 3, 4 hectares”. Mas, para o grupo de Dantas, isso parece não ser relevante.

“Depois que tudo que plantamos começou a crescer, passou um avião jogando veneno em nossa
plantação”, conta o acampado Francisco dos Santos. Chico não desanima e, empolgado, afirma: “mas é bonito quando ocupamos uma área e começamos a dar vida onde antes não tinha, produzindo”. Ele lembra que, antes das áreas virarem pastagem, elas eram tomadas por castanheiras típicas da região do Pará.

Para o acampado, grupos financeiros de origem internacional ávidos por matéria- prima também fomentam a destruição da floresta e o fim da agricultura familiar. “O capital internacional em busca desses insumos acaba contribuindo para o fortalecimento dessas grandes fazendas para monocultura e o fim do pequeno agricultor”, lamenta. Segundo o professor Michelotti, a criação do gado se dá realmente para a exportação da carne e do couro. E as fazendas em posse dos grupos financeiros são compradas, geralmente, de grileiros da região.

Descobrimento
Além de recuperarem uma área antes destruída e torná-la produtiva, outra preocupação dos acampados é a educação dos filhos. “Quando se ocupa, a primeira coisa que fazemos é organizar uma escola”, diz Chico.

Dentro da escola do acampamento, dividida em 7 salas com aulas em três períodos, 380 crianças aprendem não só o conteúdo escolar obrigatório das cartilhas distribuídas pelo Estado, mas refletem sobre o contexto onde vivem. Cartazes espalhados pelas salas de aula tratam do respeito à natureza e à vida humana, questionando também sobre o verdadeiro papel do solo e da vegetação. Assim, numa das aulas, a professora Leide Laura, ao falar sobre a escravização dos índios, deixa claro mais uma vez o
sentido da educação dada aos Sem Terrinha. Ela explica que Pedro Álvares Cabral não descobriu o Brasil, como sustentam as cartilhas do governo, mas sim, como ainda ocorre na região, invadiu e explorou como pôde os recursos naturais e humanos brasileiros.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

viagem ao interior da Terra

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O historiador e folclorista Fernando Silva, editor de "A Voz de Torcena", Barcarena (Portugal), correspondente amigo desta folha miúda virtual; nos traz à reflexão o drama e salvamento dos 33 mineiros de São José do Atacama (Chile). O autor tem um excelente trabalho sobre a história social da sua terra onde as tragédias do mundo de camponeses e operários faz a ronda. A Fábrica da Pólvora, em Oeiras, por exemplo é sua especialidade. Como o nosso Dalcídio Jurandir no romance proletário "Linha do Parque" as relações de produção e consumo estão subjacentes na obra pouco conhecida de Fernando Silva, um amigo do Marajó em Portugal. Adiante se vê a lavra do amigo que extrai da dura realidade do trabalho o espírito da terra para as altas produções da cultura.

Fernando Silva
A propósito do resgate dos 33 mineiros chilenos

AFINAL AQUI ESTÁ A “VIAGEM AO CENTRO DA TERRA” DE JÚLIO VERNE

Não foi como o disciplinado cientista e professor, Lidenbrock que em Hamburgo, na Alemanha, encontrou no interior de um livro antigo, um indecifrável manuscrito que o seu sobrinho Axel conseguiu decifrar, nem mais, nem menos que uma revelação bombástica do cientista islandês Arne Saknussemm, dando conta de um caminho que o levaria ao centro da terra, através do extinto vulcão Sneffels, expedição que acabaria por ficar célebre na imaginação de um dos grandes escritores do passado, Júlio Verne.
O que ocorreu em Agosto passado, que arrepiou o mundo inteiro, não teve cenário na Alemanha, nem foi mais nenhuma ficção concebida por aquele escritor, mas sim passado no continente americano, onde uma sábia equipa de cientistas conseguiu montar um bem estudado estratagema para levar ao fundo daquela infernal mina, a já famosa “Fénix II”, quase ao centro da terra, a cápsula salvadora que havia de transportar com êxito as trinta e três almas que ali tinham ficado subterradas.
O mundo inteiro esteve de olhos postos naquele local, mais propriamente nas Minas de S. José onde se encontravam os infelizes mineiros, subterrados.
Mas o mais importante neste desastre que já é considerado o mais relevante deste século, foi a alta solidariedade que todo o mundo prestou a esta gente, que só foi salva graças a uma simples, mas importantíssima mensagem de um mineiro, que teve a sorte de chegar ao cimo da terra e dar ânimo a quem a apanhou, lendo com emoção que os 33 homens estavam vivos.
Se não fosse isso, naturalmente já estariam todos mortos, levados pelo desespero, pela loucura e afinal pela terrível situação em que se encontravam no fundo da mina, depois de bloqueadas todas as saídas possíveis.
A operação de salvamento e resgate daqueles martirizados seres que estiveram sessenta e nove dias ali metidos, a 622 metros de profundidade, esteve em curso durante pouco mais de vinte e quatro horas e começou com êxito, trazendo o primeiro homem, o capataz daquele grupo, Florêncio Ávalos de 31 anos de idade, eram precisamente 4 horas e 11 minutos do dia 13 de Outubro de 2010.
A cápsula encontrou alguns problemas que prontamente foram reparados, contudo houve muita expectativa, no sentido de se saber se tudo iria correr bem até ao fim da difícil operação para que todos regressassem a salvo.
As pessoas acordaram de noite com o sentido de saber novidades e na realidade, embora não tivesse acontecido no nosso país, foi uma operação que mexeu com toda a gente, porque ninguém poderá avaliar o que foi a vida daqueles infelizes, mas que foi muito dura, que ninguém tenha a menor dúvida e naquela hora final de resgate, ainda muito mais, porque o grau de ansiedade dos que lá ficavam, vendo o companheiro partir, deveria ser enorme, pois todos, obviamente, pretendiam verem-se livres daquele inferno, o mais rapidamente possível e as horas pareciam nunca mais passarem.
De qualquer forma é de louvar a solidariedade que se concentrou em redor deste acidente, pois todo o mundo se manifestou no sentido de apoiar aquelas trinta e três criaturas e a grande verdade é que, após se confirmar que o êxito tinha sido alcançado, houve muito desespero, ansiedade e precaução para que tudo decorresse da melhor forma, como afinal, felizmente acabou por suceder.
Foi um regresso feliz, na difícil “viagem ao centro da terra”, parecendo quase uma das imortais histórias do grande escritor Júlio Verne, experiência que, se tivesse acontecido na sua época bem ilustrava as suas aventuras, sustentando ainda mais a sua fértil imaginação.
Este regresso dos mineiros foi acautelado, devido ao encontro com a luz do dia, mas ninguém se preocupou com possíveis problemas contraídos e a emoção foi grande junto dos seus incansáveis salvadores que tanto se sacrificaram para que o êxito resultasse, os familiares e os amigos e afinal o mundo inteiro, foram momentos de grande emoção, onde não houve ninguém que não chorasse de alegria, porque na realidade foi um verdadeiro milagre que se registou .
Os mais agarrados à religião, não hesitaram em afirmar que tudo aconteceu a treze de Outubro, data em que, Portugal terá registado mais uma aparição de Nossa Senhora de Fátima, aos pastorinhos, no difícil ano de 1917.
Também nesta área é preciso acreditar, nem que seja a última a recorrer pelo ser humano, mas a verdade, crente ou não, os mineiros acabaram por ser salvos num dia bastante querido para a comunidade cristã.
Este desastre que terminou com assinalável êxito, acabou por trazer, são e salvos os mineiros, das entranhas da terra, mas também proporcionou aos cientistas e estudiosos, grandes experiências que agora terão de ser partilhadas com cada um daqueles heróis, as experiências vividas durante todo aquele tempo em reclusão no fundo do abismo, descrentes na salvação e entregues a uma esperança que parecia vã, mas que afinal nunca os abandonou e por isso venceram.
São estes pormenores que parecem singelos, mas que os cientistas, médicos e toda classe estudiosa terão de analisar, porque daqui irão retirar-se muitas ilações para o futuro, inclusivamente para os cientistas que têm estudado a vida espacial, pois os vários relatos, serão um bálsamo precioso para futuros casos.
É isto que a sociedade terá de aprender e acreditar, muito sustentada pelas teorias ancestrais, “nunca se deve perder a esperança, porque ela é e será sempre a última a morrer” e isso passa por dotar o ser humano com fortes índices de crença, trabalho que competirá aos psicólogos, porque tal qual o que aconteceu com estes mineiros chilenos, muitos outros casos aparecerão e se não se acreditar no velho rifão, “enquanto há vida há esperança”, nada se conseguirá neste mundo, por vezes parecendo complexo, difícil, quase impossível, mas afinal, acabando por se tornar tão simples, tão prático e tão humanitário.
Parabéns aos técnicos, aos grandes heróis desta aventura e afinal ao mundo inteiro que, mais uma vez soube valer a esta infeliz gente, na hora da verdade.
E agora nesta hora de reflexão e de reconhecimento pelo excelente trabalho desenvolvido pelo homem, em prol do seu semelhante, pena é que, em outras situações dramáticas que infelizmente se registam no mundo, estes milagres não aconteçam, porque era sinal de que afinal o ser humano tinha dado as mãos em prol da paz, da cooperação, da tranquilidade e da harmonia ao cimo da terra e muito particularmente em África onde viver, é quase impossível, com a carência de quase tudo e parece não haver olhos no mundo que se abram para estes gritantes casos, onde se vive num verdadeiro caos, uma horrível calamidade, um desumano e verdadeiro holocausto.

sábado, 9 de outubro de 2010

Marajó depende de eleição no Pará e Amapá

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sem complexo de inferioridade, a folha miúda 'O Arary ' sente-se no dever de tentar sensibilizar os poderes da República para problemas de falta de integração das diversas regiões amazônicas, das quais a grande ilha do Marajó faz parte emblemática. O Pará está sob ameaça dum separatismo tipo sangria desatada, no qual projetos de criação dos estados de Carajás e Tapajós, por uma parte, e do território federal do Marajó, por outra; deixariam o antigo Grão-Pará convertido em um deficitário mini-Pará ou inferiorizado Pará-Mirim.

na verdade, a República Federativa do Brasil deverá ter, no futuro, algo como 50 estados federados. Todavia, por que são agora os estados amazônicos brasileiros alvo dessa divisão a toque de caixa? E não estados das regiões mais desenvolvidas do país, cujo desmembramento poderia desconcentrar a riqueza nacional. Esta é a pergunta que não quer calar. Paira, então, suspeita de que o colonialismo interno e externo retalhando a Amazônia visa a colocar em prática o antigo aforismo "divide e impera"; com que Roma minava resistência e impunha satrápias e províncias dóceis a seu mando. Fica aqui em suspenso a questão do separatismo na Amazônia.

chamamos atenção agora para a curiosa história do Amapá desmembrado do Pará para dar lugar ao Território Federal depois o atual Estado vizinho da margem esquerda do rio Amazonas. A antropologia e a geografia física das ilhas do Marajó indicavam que esta região insular tem mais a ver com o Amapá do que com o Pará, exceto naturalmente os campos do Arari e furos de Breves. Belém considera Marajó como seu fundo de quintal e Macapá, embora tendo profundas raízes demográficas nas ilhas do Pará, olha aos marajoaras como seus parentes pobres. O resultado da desconsideração política pode ser observada, em grande parte, na emigração cladestina e trabalho ilegal transfronteiriço nas Guianas. Se Amapá e Pará tivessem cooperação interestadual mais incisiva, inclusive do Legislativo e Judiciário; poderiam transformar problemas comuns em soluções conjuntas.

Brasília tem a chave para isto incluindo a esfera internacional no que tange às fronteiras. Mas, aparentemente, considera o Tratato de Cooperação Amazônica (TCA) e a OTCA, única organinação multilateral com sede em Brasília, o patinho feio da nova diplomacia sul-americana. Entretanto, seria a OTCA talvez o fórum especializado para coordenar a agenda das Guianas, incluindo aí as Guianas brasileira (Amapá, parte do Pará e Amazonas e Roraima) e venezuelana (Amazonas, Estado bolívar e Delta-Amacuro). Oxalá o próximo governo federal com os eleitos de 31 de outubro no Pará e Amapá, considerem estas modestas ponderações da nossa folha miúda.

De todo modo, cumpre lembrar aos leitores na internet que a modalidade de cooperação internacional descentralizada poderia desenvolver relações de vizinhança mais dinâmicas na área das Guianas do que tem sido a prática da diplomacia centralizada nas capitais nacionais dos países amazônicos. Então, gostaria de frisar que o Brasil foi prioneiro desta modalidade de relações externas sub-nacionais. Com que os governadores do Rio Grande do Sul, Pedro Simon, no Mercosul; Leonel Brizola, do Rio de Janeiro, no campo da Internacional Socialista e João Capiberibe, do Amapá, na área das Guianas com apoio da Fundação Mitterrand (França), foram pioneiros.

Durante esse tempo, o Pará teve um comportamento displicente sobre o assunto e o Amapá nunca revelou maior solidariedade em relações a seus parentes das ilhas do Marajó. Portanto, as eleições em curso não só são oportunas para debater os problemas de vizinhança transfronteiriça como também para esboçar uma aliança interestadual capaz de coordenar a pauta do estuário amazônico como um todo.