blog em memória da gazetilha que "circulou na cidade de Cachoeira do Arari (ilha de Marajó, Estado do Pará) no biênio 1906 / 1907. Fôlha pequena, a 3 colunas. Redigido por Alfredo N. Pereira." (cf. Carlos Rocque, "Grande Enciclopédia da Amazônia"). O editor era meu avô paterno, usava tipográfica manual no Chalé celebrizado nos romances de Dalcídio Jurandir, notadamente "Chove nos campos de Cachoeira" e "Três casas e um rio".

terça-feira, 25 de março de 2008

paisagem da memória

"Nós somos de Ponta de Pedras / Na ilha do Marajó / Onde se faz sucesso de carimbó"... "Quem vem ao Pará parou, tomou açaí ficou", diz a música e o dito popular. Eu nasci em Belém por mero detalhe, pois que fui "encomendado" na vila de Itaguari (antiga de Ponta de Pedras, atual cidade de), recém-nascido, levaram-me imediatamente de volta à ilha natal de meus antepassados. Donde eu saí a primeira vez para ir a Cidade (Belém) aos sete ou oito anos de idade, a fim de mamãe assistir a passagem do Círio de Nazaré.

Quando jito (pequeno), meus país moravam num arrabalde da vila chamado o Fim do Mundo. O qual, todavia, hoje é bairro da cidade. Foi lá que me caiu o coto do umbigo e ensaiei meus primeiros passos. O nome, irônico, foi tirado do Curro (matadouro) municipal, onde vacas vindas das fazendas do rio Arari se acabavam... Meu pai era administrador do Curro e do Mercado Público e eu aprendi, muito cedo, donde vêm o caldo e o pirão à mesa. O abate de reses não é espetáculo recomendável a crianças pequenas. Porém meu pai era um homem sábio e nunca teve dificuldade em ensinar aos filhos a ver a rudeza da vida sob ângulo singelo e prático. O celeiro da cidade era o distante Arari com seus campos e o Lago piscoso. Dizia-se assim, o Lago; com certa reverência, embora na verdade fossem diversos lagos e lagoas num conjunto imenso donde o peixe, marrecas, jacarés, muçuãs; vinham ao mercado abastecer a gente. Entre a vila e o Lago havia uma classe de atravessadores. Estes levavam mercadorias e traziam gêneros. Aqui eram chamados arariuaras, ali "goiabas" (abreviação de papa-goiaba, comedor de goiaba, morador de Ponta de Pedras; por oposição a papa-tucumã, dito à gente de Cachoeira).

Falar de Cachoeira naquela Itaguari de minha infãncia, era como em Atenas lembrar a guerra de Tróia. Ou vice-versa, falar de Ponta de Pedras em Cachoeira. Papai era um pontapedrense que adorava passar temporadas em Cachoeira (que a gente vizinha não soubesse...). Eu escutava histórias que ele contava como se ouvisse falar de um pais encantado.

Em casa de minha "avó" (tia) Sophia ficaram as estantes de livros e revistas Chácaras e Quintais deixadas do primeiro casamendo do capitão meu avô. Ali minha alfabetização se passou, em grande parte, dentre fotografias de vacas e touros da raça zebu importados pelo sr. João de Abreu para o Triângulo Mineiro, donde o gado indiano passou aos demais estados do Brasil. O capitão tinha por hobby a fabricação de "fogo-de-vista" (fogos de artifício), do que muito se gabava da própria criatiidade. Além, é claro, da tipografia manual que era o seu orgulho.

As grandes fazendas de gado do Marajó ficavam no rio Arari, minha mãe nasceu numa fazendola chamada Serrame, à margem do rio Curral Panema, filha de imigrantes da Galiza; e foi criada em fazenda grande do lago Arari. Eu cresci aprendendo mais coisas sobre essa microrregião do que mesmo do rio Marajó-Açu, que banha Ponta de Pedras e quase me afogou. Talvez com ciúmes do Arari...

Entretanto, este último eu só iria conhecer aos dezessete anos de idade, morador do Serrame, numa memorável viagem a remos a montante, durante três dias e três noites, até o grande lago Arari. Eu e meu "parecero" (camarada) Ovídio, de mesma idade metidos numa aventura supostamente como papa-goiabas (marreteiro). Na verdade, dois moleques doidos para conhecer as maravilhas que os mais velhos tanto falavam. Do escambo (troca em espécie) não ganhei dinheiro, mas sim uma malária das "boas" e história p'ra contar a vida inteira.

Um comentário:

Edilson Pantoja disse...

Senhor Varella, boa noite!
Foi com imenso prazer que descobri este blog e li cada um dos posts! Ele tem um sabor de "bastidores" da Obra de Jurandir, Obra que me seduziu de uma década para cá. Obra maravilhosa! A propósito, escrevi um livro sobre tal Obra, intiluado: "O Extremo-Norte: finitude e niilismo em Dalcídio Jurandir", publicado online no site oficial do escritor, na parte de "estudos". Não sei se você vai lembrar, mas já nos encontramos uma vez, em 2005, no programa "Sem Censura", da Tv Cultura. Eu fui falar sobre meu romance "Albergue Noturno", que fora agraciado com o prêmio IAP de Literatura. Bom, vou linkar seu blog lá no meu, ok?, e deixo-lhe o convite para conhecê-lo. Para tanto, basta seguir o link.
Forte abraço!