blog em memória da gazetilha que "circulou na cidade de Cachoeira do Arari (ilha de Marajó, Estado do Pará) no biênio 1906 / 1907. Fôlha pequena, a 3 colunas. Redigido por Alfredo N. Pereira." (cf. Carlos Rocque, "Grande Enciclopédia da Amazônia"). O editor era meu avô paterno, usava tipográfica manual no Chalé celebrizado nos romances de Dalcídio Jurandir, notadamente "Chove nos campos de Cachoeira" e "Três casas e um rio".

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

FELIZ 2011, PONTA DE PEDRAS

FELIZ 2011:
minha Ponta de Pedras, praias do Marajó,
varjas do Paraíso e campos da memória.

À memória da “avó”
Sophia e tia Lodica.


Sejas muito feliz, minha terra de infância Itaguari! Em 2011 e todos anos pra frente. A velha “ponta de pedras” (“ita”, pedra; e “guari”, ponta; em língua-geral) da ilha do Marajó, ilha grande da minha avó Antônia, índia da Mangabeira, que eu não conheci porque ela morreu de parto do menino que foi, afinal, sobrevivente contra todos prognósticos; o meu velho pai e mestre caboco “seu” Rodolpho (com ph) Antonio (sem acento circunflexo) Pereira, filho de meu avô capitão Alfredo Nascimento Pereira, mestre escola de Muaná, rábula de Ponta de Pedras e secretário da intendência da vila da Cachoeira.

Este meu avô descendente português dos Açores e talvez do sargento-mor Domingos Pereira de Moraes, contemplado da fazenda São Francisco que foi desapropriada da missão dos Jesuítas (séc. XVIII); foi redator da gazetilha “O Arary”, patriarca duma prole marajoara extensa com suas três mulheres: a minha avó indígena, que foi sua aluna de ABC; dona Margarida Ramos, afrodescendente que lhe deu meia-dúzia de mulatos, dentre os quais o grande Dalcídio Jurandir (nascido Darcidio, batizado Dalcídio José Ramos Pereira) e, finalmente, dona Isabel Trindade, honrada senhora negra pontapedrense, que deu a meu avô outra penca de mulatinhos, dos quais o caçula Adeflorindo (tio Adê) Pereira, que é mais criança do que eu.

Do avô Francisco (aliás, Celestino) Perez Varela (“seu” Chico Varela para a vizinhança do Curral Panema) basta que eu diga que ele foi emigrante da Galícia (Espanha) e herdou com a prima dele e minha avó materna Maria Joana Peres de Castro o sítio Serrame, no rio Canal (Carapanaoca). Lugar de comércio ao tempo da Borracha, onde meu avô foi dono duma memorável igarité, pilotada pelo incrível preto contador de casos encantados, o Amâncio Costa; chamada “Aracy” e construtor do barco da discórdia batizado “San Thiago”. Este barco da ruína na “quebra” da Borracha virou canoa “Africana”, da Casa da Beira, propriedade do senhor João Ramos da Silva, bom português, patriarca de família pontapedrense; e por fim o tal barco a vela dos sonhos de meu avô virou geleira a motor “São Judas Tadeu”... Se ainda existe, não sei. Quando mestre Parriba era vivo conversamos muito sobre a história das principais igarités do Itaguari (cada uma delas com a sua sina particular)... “Caripirá”, “Resistência”, “3 de Outubro”, “Africana”, “Dinoca”, “Thetis”, “Sincera”... “Terezina”... “Flor de Maio”, “Patativa”... No tempo das igarités, quem mandava era o vento e a maré, a canoa e o piloto paresque eram uma coisa só feita de carne, sonho e madeira lavrada em estaleiro por mestre carapina de fama.

Agora habitando o tempo da Cidade Velha minha Itaguari (Ponta de Pedras) mora comigo na Marambaia, às margens do Igarapé São Joaquim na bacia do Una. Ela estará sempre emendada ao Fim do Mundo e à ancestral pedra do Ver-O-Peso donde se arrima na Terra Firme, por via do canal do Carnapijó (Barcarena), em Belém do grande Pará: mar de água doce aonde o rio Marajó-Açu vai inventar travessias da baía e porfias de igarités imaginárias.

Agora aquele tempo de infância vai atravessando o largo rio das recordações e porfiando com o mito à ilharga da cobra grande Boiúna: mistério profundo ancorado no porto lendário à beira da pequenina Ilha do Coati. Ai de mim! Talvez por que este rio misterioso, não sei qual fado; me deixou escapar de morrer afogado quando eu era apenas um menino ribeirinho sem eira nem beira, fiquei eu na obrigação de inventar, com ele, outro Gânges de lendas sagradas e casos sem par. Com que uma certa “Vilarana” foi se formando pelas margens, furos e ilhas encantadas da história geral. Claro, eu escrevo pra todos e pra ninguém como convém a qualquer caboco contador de “causos”.

Quem sabia de histórias iguais caiu no esquecimento ou já morreu. Por isto quem calejou os dedos com a caneta e catou milho na máquina de escrever, hoje é aprendiz da internet, para dizer a mesma coisa de sempre. Não há tristeza quando o sol já vai entrando no crepúsculo da vida, rumo ao Araquiçaua mítico; lugar sagrado da “Terra sem Mal”; onde a memória dorme no engenho de novas manhãs. A certeza de que ainda haverá um amanhã acalenta novos sonhos.

Mais perto do que dantes, quando sozinho o caboquinho vencia estirões do grande Marajó a remo; as remadas no rio eletrônico aproxima nossos corações e nossas mentes. Um abraço do Zé. Feliz Ano Novo.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Desenvolvimento do Marajó: pra quem?

Segundo a cultura popular, há negócios que são como engordar sapo pra cobra comer... No caso, invés da gente se empoderar da Cultura Marajoara revelada pela arqueologia restauradora da doutora Denise Schaan mediante um ecoturismo sustentável de base comunitária, que nem a Costa Rica, por exemplo; o complexo de búfalo em “over” dose. Invés do espaço histórico social da pesquisa criativa do professor doutor Agenor Sarraf; as “ilhas” dos Marajós mostram notável paradoxo que todo mundo de fora vê logo à primeira vista: a pobreza ilhada em meio ao mar de riquezas. Porém os ricos marajós da vida não enxergam, nem a cacete, a contradição das desigualdades e o crônico empobrecimento induzido.
Enquanto funcionário do serviço exterior, servi durante cinco anos em Caiena. Onde vi de perto o outro lado da fronteira do Oiapoque com a crucial participação de ribeirinhos do Amapá e Pará da imigração clandestina e mais contravenções acompanhantes do tráfico das Guianas com o norte do Brasil, entre os anos de 1985 e 1990. Foi lá que me dei conta da REBRACA (repatriamento de brasileiros de Caiena) de 1974, em plena ditadura militar. Uma história que envergonha a diplomacia do Brasil e da França, que poucos em Brasília e Paris conhecem, com uso descartável de imigrantes brasileiros como mão de obra barata na construção do centro espacial europeu em Kuru e posterior deportação em condições pouco elogiosas para imagem dos dois países. Ademais, operação inútil posto que as motivações sociais e econômicas da imigração permanecem até hoje sem que se tenha enfrentado de frente.
A primeira parte daquela história marginal eu sabia, mais ou menos, como nativo da ilha do Marajó. Até um barco que fora orgulho e ruína de meu avô, imigrante da Espanha no Pará, enquanto ele teve haveres e vida ao ser vendido trocou de nome e caiu na rede de contrabando a fazer figura de barco de pesca para carregar muamba, o melhor negócio que podia haver na época. Mais tarde, por acaso, como repórter de jornal na cidade grande, entre outras coisas escrevi breve folhetim “A face oculta do Ver O Peso” e fiz parte da intrigante coluna diária o “Inferninho do Contrabando”, editada no “Jornal do Dia” pelo repórter Angelo Giusti. Capítulo do retorno do café pelo caminho donde veio: dos cafezais de São Paulo para Caiena e Paramaribo. Donde as primeiras foram furtadas para ser plantado no Pará, pela tropa de guarda costa de Francisco de Mello Palheta, no século XVIII, à caça de escravos fugidos, desertores e índios bandoleiros do lado brasileiro, em disputa entre as duas colônias europeias na Amazônia.
Claro está que só a qualidade de servidor consular já me seria bastante a querer mudar a péssima imagem de meu país no território ultramarino da vizinha Amazônia francesa. Mas, se coloquem em meu lugar: além de modesto vice-cônsul em posto de terceira categoria, caboco marajoara de beiço roxo de tinta de açaí tem mais que se doer pelo fado dos irmãos, refugiados econômicos, e batalhar para mudar a cruel situação criada pelo êxodo rural. O diabo é achar quem o escute e o ajude a mudar uma história destas, corrompida da velha rede rasgada de mil e uma prostituições enquanto as luzes de Paris seduzem as burguesias do Rio de Janeiro e São Paulo celeiro de altos funcionários da tecnoburocracia de Brasília. Se nem mesmo a migração intensiva do Maranhão e Piauí ao pobre Pará trabalhador não acha remédio. Sim, se nossos repatriados viessem do Japão talvez algum político imaginasse projeto de reinserção à economia nacional. Não é este porém o caso dos repatriados das Guianas no norte do Brasil.
Por isto, quando voltei definitivamente ao país retomei antiga militância de Quixote ao lado de Camillo Viana na SOPREN. Mais tarde fui bater à porta da UFPA para oferecer ajuda ao recém-eleito prefeito de Ponta de Pedras (eu não o conhecia pessoalmente), então ele era secretário-geral da universidade federal. Inventamos um tipo de contrato de risco mediante apoio de representante paraense no Senado. O que motivou o Ministério das Relações Exteriores a abrir exceção e ceder o inquieto oficial de chancelaria a fim de prestar assessoramento ao município (sem ônus para este, por si só um obstáculo considerável) com louvável desculpa de um projeto integrado com a associação de municípios do Arquipélago, a AMAM. Naturalmente, muito colaborou para decisão superior informações do Consulado e da repartição do MRE em Belém, favoráveis à tentativa que se iria improvisar sobre a base uma experiência excepcional de vivência do servidor em tela, conhecedor da crua realidade humana de grande parte das fronteiras amazônicas.

O arranjo meia-sola, entretanto, foi um fracasso do ponto de vista local. E nenhum TTC universitário se interessa por “cases” de insucesso: pena, porque desta maneira a história se repete até à náusea... Primeiro, o projeto de criação duma fundação com nome do mal amado comunista “Dalcídio Jurandir”, filho da terra, na vã tentativa de levantar a autoestima municipal (se o homenageado apesar de comunista declarado fosse o bem amado Jorge Amado ou o famoso Oscar Niemeyer, vá lá! Mesmo assim o projeto foi aprovado por unanimidade pela Câmara de Vereadores), mas após curta neutralidade passou a receber oposição pessoal da presidente da Câmara, jovem e simpática senhora da sociedade agropecuária, herdeira das sesmarias. Então, decidida a ser prefeita e que começou a suspeitar que semelhante coisa seria obstáculo a seu desejo político.
Debalde tentativas de conciliação! O temeroso prefeito rendeu-se, precocemente, à pressão dos senhores do gado e nomeou como inimigo o médico do hospital da SESPA (conhecido aborteiro, que sozinho com sua clínica clandestina em Belém derrotou coligação de nomes graúdos da oligarquia, universidade, igrejas e partidos rotulados de esquerda unidos por força das circunstâncias para levar a fazendeira e o comunitário filiado ao partido socialista ao Paço). Aos vencedores, as batatas! Ou seja, o minguado orçamento de um dos pobres municípios de IDH de fome.
Na brigalhada ambos bandos em contenda acabaram por provocar incêndio do prédio histórico do “Palácio Municipal” virando em cinza o arquivo morto e a biblioteca “Eládio Malato” com todo acervo doado pela família do jornalista. Não sem antes, o único projeto desta fase triste da minha vida, o Projeto de Execução Descentralizada (PED-Guaianá), financiado pelo PPG7 e elogiado por sua concepção inovadora, dar com os burros n'água e virar farelo da incompetência e malandragem a dar trabalho à Polícia Federal, sem ter produzido uma única semente ou pé de qualquer coisa que não seja a frondosa árvore da corrupção.

Apesar de tudo, continuando no caminho quixotesco com Camillo Viana e amigos da SOPREN inventamos, na Pró-Reitoria de Extensão da UFPA, o GDM (grupo em defesa do Marajó), em 20/12/1994. Junto com a AMAM organizamos o X “Encontro em Defesa do Marajó”, em Ponta de Pedras (28-30/04/1995), donde saiu a “Carta do Marajó-Açu” publicada na imprensa e que significou uma virada sobre a conservação da Cerâmica Marajoara, com destaque ao Museu do Marajó. No mesmo ano, organizamos receptivo à delegação de prefeitos e vereadores da Guiana francesa em visita a Belém, Soure, Salvaterra e Cachoeira do Arari. Reciprocamente, no ano seguinte delegação de prefeitos e vereadores do Marajó acrescida do presidente do Museu do Marajó, Giovanni Gallo; coordenador do campus Marajó (Soure) da UFPA, arqueólogo do Museu Paraense Emílio Goeldi, e superintendente do IPHAN.

Apesar de inúmeras conversas e explicações sobre as desventuras da vizinhança fronteiriça implicada com a imigração brasileira clandestina, a maioria dos nobres representantes jamais entendeu o que foram fazer lá no outro lado da fronteira, a guisa do que hoje se chama cooperação internacional descentralizada com méritos históricos para Pedro Simon, Leonel Brizola e João Capiberibe, respectivamente, governadores do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Amapá. Todavia, quando os pesquisadores forem a fundo poderão inscrever também nessa inovadora modalidade de relações externas entre estados e municípios, com nossa modesta articulação, os nomes de Fernando Lobato, prefeito de Santa Cruz do Arari e presidente da AMAM e do prefeito de Sinnamary e presidente do conselho geral da Guiana francesa, Elie Castor.

Seria longo listar todas ações das quais participamos para que as populações do Marajó percebam que unidos podem ir longe e, ao contrário, separados em rivais uns dos outros estão condenados a ver navios... Ouvimos de autoridade da extinta SECTAM a sentença jocosa “o GDM não existe”: o doutor não via que, na verdade, este e outros nomes de fantasia são a bandeira da resistência marajoara que vem de muita gente e muito tempo atrás e vai sempre adiante com qualquer nome que a necessidade e o acaso determinar. O melhor momento daquele famigerado GDM foi talvez quanto assinei em seu nome apresentação de documento dos Bispos do Marajó (o agnóstico amigo de padres e pastores, contanto que seja para libertação do povo marajoara), em março de 1999, clamando contra o mísero IDH do povo marajoara.

Enfim, em 7 setembro de 2003, em Santa Cruz do Arari, redigimos a “Carta S.O.S Lago Arari” assinada pelos presentes à exposição do Museu do Marajó e dirigida ao Presidente Lula. A carta teve resposta através do IPHAN e repercutiu também na moção de 8 de outubro de 2003, em Muaná, pedindo a Reserva da Biosfera do Marajó que desatou a encruada APA-Marajó e levou à criação do Parque Estadual de Charapucu (Afúa), penúltimo passo para apresentação da candidatura ao COBRAMAB (Brasília) e depois à UNESCO (Paris).
Por ironia da história, a fazendeira que queria ser prefeita de Ponta de Pedras e para isto atropelou o projeto da fundação Dalcídio Jurandir; quando eleita e convertida à religião evangélica segundo dizem, valeu-se do ilustre nome do comunista pontapedrense para barrar o batismo de moderna escola estadual no município, com que os católicos queriam homenagear bispo fundador da diocese (ainda vivo). Estes perguntavam o que Dalcídio Jurandir fez por Ponta de Pedras? Na verdade, sequer eles sabiam quem era o romancista da Amazônia e prêmio “Machado de Assis”. A culpa não é deles, evidentemente, quando se lembra que outrora a Arquidiocese de Belém incluiu o escritor de “Chove nos campos de Cachoeira” entre autores contra indicados à leitura dos católicos. Quando me perguntaram o que o GDM teria feito pelo Marajó, respondi: “nada... nem vai fazer coisa nenhuma. Quem tem de fazer são autoridades eleitas para tanto. Nós apenas somos cidadãos prontos a cobrar o que o povo tem direito”.

A marcha da resistência marajoara é pouco percebida pelos marajoaras, menos por culpa da ignorância da gente e mais pela “esperteza” de seus dirigentes. Por isto, em 2006, com o “inexistente” GDM ainda, fomos nos queixar ao Bispo de Ponta de Pedras. O qual com seu confrade da Prelazia do Marajó (Soure) foi se queixar ao Presidente Lula... Começou assim o Grupo Interministerial GEI-Marajó, na Casa Civil com a Ministra e hoje Presidenta Dilma; donde surdiu-se o “Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável do Arquipélago do Marajó – (Plano Marajó), em 2007; complementado pelo programa “Territórios da Cidadania – Marajó”.

No bojo disto tudo, o projeto Nossa Várzea de regularização fundiária. Uma novidade sensacional para a gente ribeirinha sem eira nem beira. Um sucesso e inovação em gestão pública em Brasília... Mas, para as elites de Belém uma coisa chinfrim ou desconhecida, como tudo mais que se refere às “distantes” ilhas fronteiras à charmosa Estação das Docas. A donos de sesmarias hereditárias uma baita confusão. Ora, se todas estas gentes parassem pra pensar viriam a tempestade em copo d'água que se faz: nem só regularização fundiária não se confunde com reforma agrária, como também o sucesso da regularização nas terras públicas da União há de tornar talvez dispensável a temida reforma das sesmarias e latifúndios da ilha do Marajó célebre pelas fazendas. Ou, então, pela desavença interna de gregos e troianos face ao poder econômico emergente da recolonização da Amazônia, em marcha com arrozeiros gaúchos corridos de Roraima para campos alagados do Marajó, não vai ter mais frito de vaqueiro pra ninguém; nem chimarrão de graça pra caboco mandado embora aos subúrbios da capital. O prezado leitor me entendeu?

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Município: elo mais frágil da república federativa


O ministro-chefe da Controladoria-Geral da União (CGU), Jorge Hage, vê a corrupção nos municípios como o maior obstáculo ao desenvolvimento nacional sustentável. É uma constatação desconcertante que vem do alto escalão do governo central no momento em que nosso país assume relevante papel no cenário mundial. Certamente, abundam explicações acadêmicas sobre o fenômeno. Todavia, urge solução do problema e para isto cidadãos eleitores dos 5.560 municípios do País deveriam ser convocados e devidamente responsabilizados pelas escolhas políticas que fazem e desinteresse da vida pública que manifestam em suas respectivas comunidades.

Com isto queria dizer, inicialmente, que a descentralização político-administrativa nacional deve ser conquista da cidadania e não benesse das autoridades de plantão: não se trata apenas de descentralizar o governo federal, mas também os governos estaduais e municipais. Não é uma questão "técnica"... Fosse assim já estaria resolvida desde o fim da Ditadura. É sim uma complicada questão politica que tem raízes no patrimonialismo português transplantado ao Brasil-Colônia, como informou Raymundo Faoro no clássico "Os donos do Poder". Enfim, ela denota falta de cultura pública das elites brasileiras. Veja-se, por exemplo, a concentração de poder econômico nas áreas urbanas "nobres" de qualquer cidadezinha do interior e temos aí o mapa social do Brasil em miniatura. Então, para começar é preciso desconcentrar o Município a fim de desconcentrar a União e também os 26 estados da federação.

Eu muito me orgulho em ser Servidor Público de três gerações. Meu avô Alfredo Nascimento Pereira, foi secretário de intendência da Vila de Cachoeira, e meu pai Rodolfo Antônio Pereira administrador do curro e mercado público de Ponta de Pedras, na ilha de Marajó. Comecei a vida pública disputando cargo de vice-prefeito de Ponta de Pedras, fui secretário-contador de Faro (PA), na terra natal pontapedrense secretário municipal de administração, de finanças e por último de meio ambiente. Auxiliar-administrativo na estatal COBAL-sede (DF), oficial de administração (depois agente administrativo) do Itamaraty, admitido por concurso público; em prova de ascenção funcional promovido a oficial de chancelaria do serviço exterior, cargo no qual me aposentei em 1998, depois de 35 anos de tempo de serviço. Já aposentado do governo federal exerci cargo de confiança como chefe de gabinete e assessor da empresa pública de turismo estadual do Pará, PARATUR (1999-2007).

Antes de ter sido funcionário público, como todo caboco da ilha do Marajó, fiz a vida como medíocre apanhador de açaí, vaqueiro de umas poucas cabeças de gado da família, mercador de beira de rio, marreteiro improvisado no lago Arari e feira do Ver O Peso, em Belém. Até que, enfim, pequei a canoa furada do êxodo rural e fui terminar sendo balconista, office boy e repórter de jornal na cidade grande. Falta dizer que com todo este aprendizado na periferia da pátria amada fui mandado a trabalhar no serviço consular em Caiena, Guiana francesa. Aonde muitos emigrantes da minha laia vão parar por falta de emprego nos municípios onde nasceram no lado de cá da fronteira do Oiapoque. No outro lado, passei cinco anos de 1985 a 1990, que costumo dizer que foi meu PhD na escola da vida.

Portanto, tenho alguma experiência para falar do palpitante assunto da CORRUPÇÃO versus DESCONCENTRAÇÃO FEDERATIVA. Como sei antecipadamente que o que eu disser vale tanto quanto palpite de imigrante mexicano na administração de Washington (Estados Unidos), apelo a Millôr Fernandes quando este sentencia: "livre pensar é só pensar".

Penso, logo crio caso:

I - Acabem-se os chamados Tribunais de Contas e convoquem-se juízes togados para tomar conta da canalha que avassala a boa reputação do funcionalismo público neste País;

II - Invertam-se valores das fatias do bolo da arrecadação geral de modo a garantir mais recursos aos municípios menos dotados de meios e mais inovadores em gestão pública compartilhada com a sociedade civil, numa vigorosa política federativa de distribuição de renda. Dos 5.560 municípios brasileiros, menos da metade tem renda própria e real autonomia. Um choque de realidade teria que identificar municípios de "segunda divisão" e emenda constitucional poderia prever cooperação entre estados e União no sentido de prover recursos extras e servir de "encubadoras" de prefeituras através de consórcios intermunicipais, no foco do programa Territórios da Cidadania;

III - Assim, teríamos municípios de autonomia plena, tal como hoje se entende a ordem jurídica geral. E municípios de autonomia relativa, sob tutela estadual e federal, em consórcios intermunicipaís para desenvolvimento territorial integrado sustentável;

IV - Lei nova deveria instituir gratuidade do exercício do cargo de vereador dos municípios de autonomia relativa, submetidos a regime especial de supervisão técnica e controle institucional;

V - De modo geral, todos municípios deveriam ter maior transparência do Executivo com o Legislativo a assumir precedência política como Casa do Povo mantendo acesso direto a todo e qualquer cidadão com informações de interesse público a qualquer hora. Efetivo serviço de integração e participação popular;

VI - as cidades deveriam ser estruturadas de modo tal que todos bairros sejam mini-cidades servidas de serviços públicos e infra-estrutura privada suficiente para uma vida socioambiental equilibrada;

VII - distritos e zonas rurais devem receber benefícios para desconcentração urbana, com incentivos compensatórios tais como assistência à saúde, educação à distância, transportes seguros e adaptados ao meio.

VIII - regiões isoladas e ultraperiféricas devem ter apoio federal para vigilância, comunicação social e segurança da população;

XIX - populações tradicionais devem receber do município atenção especial em conjunto com autoridades do estado e da União nas atividades sociais, culturais e econômicas da municipalidade;

X - o patrimônio histórico e o meio ambiente local devem estar integrados à política local de desenvolvimento sustentável.

Corrupção é suscetível de ocorrer em toda e qualquer relação de poder. Ela, entretanto, é menos difícil de controlar onde há transparência e participação dos cidadãos. A gente vive no espaço territorial do município: ninguém mora na "esfera" federal nem estadual.
JMVP



Da BBC Brasil

Desafio para combater corrupção está nos municípios e na lei, diz ministro

Rafael Spuldar
Da BBC Brasil em São Paulo

O ministro-chefe da Controladoria-Geral da União (CGU), Jorge Hage, vê as irregularidades nas esferas locais de poder, como os municípios, e a lentidão do Congresso em aprovar uma nova legislação como os maiores desafios no combate à corrupção no Brasil.

"O Brasil é um país federativo, que tem 26 Estados e 5.560 municípios onde sabemos que a situação ainda é muito ruim", disse o ministro à BBC Brasil.

"Em um país com as dimensões do Brasil, tem que descentralizar (os programas federais). Mas descentralizar traz um deficit de segurança quanto ao nível ético e de integridade das administrações locais."

Hage afirma que, durante as auditorias realizadas pela Controladoria-Geral da União (CGU) junto aos municípios para fiscalizar o uso de recursos federais, são encontradas "coisas assombrosas" em termos de corrupção e mau uso de verbas.

Para o ministro, são casos como estes, que ocorrem nos governos locais, que geram a "reprodução inercial" da impressão de que existe muita corrupção no país - uma tese que ele classifica de "balela".

"O Brasil não pode ser considerando no contexto internacional como muito corrupto, ele está na média", afirma Hage, que cita pesquisas como o Barômetro Global da Corrupção, da ONG Transparência Internacional, no qual o país aparece como um dos que têm menos relatos de pagamento de propinas.

CliqueLeia também na BBC Brasil: Para 64% dos brasileiros, corrupção aumentou nos últimos anos, diz Transparência Internacional

Lentidão do Legislativo


Hage também critica o que classifica como demora do Legislativo em aprovar propostas de lei - segundo ele, já encaminhadas pelo Executivo - que aumentam a rigidez das punições em casos de corrupção.

Entre os projetos citados pelo ministro, estão o que regulamenta os conflitos de interesse, o que tipifica como crime o enriquecimento ilícito de agentes públicos e a lei que transforma a corrupção em crime hediondo, aumentando as penas e reduzindo as chances de liberdade condicional.

Além disto, Hage defende uma mudança na legislação processual, que prevê, segundo ele, possibilidades "intermináveis" de recurso e alimentando o sentimento de impunidade por parte da população.

"Os corruptos são os que podem contratar os melhores escritórios de advocacia do país, e um bom escritório encontrará sempre a possibilidade de criar mais um incidente, mais um recurso, mais um agravo, mais um embargo... e isto não deixa a sentença transitar em julgado", diz o ministro.

Mobilização popular


Hage vê o movimento em favor da lei da Ficha Limpa como um exemplo de mobilização popular que ajudaria a pressionar o Congresso a aprovar os projetos de lei. Além disto, ele defende o financiamento público de campanhas e partidos, para reduzir a corrupção no meio político.

Para o ministro, outra alternativa para o combate à corrupção é atuar junto a governos locais, com a adoção de portais da transparência (que estão previstos em lei e divulgam com detalhes os gastos do poder público) e com o estímulo à participação dos cidadãos para fiscalizar os governantes.

* Colaborou Paulo Cabral, repórter da BBC em São Paulo

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

A Cultura Marajoara e o Plano Nacional de Cultura

Historicamente, o Estado do Pará aderiu ao império do Brasil em 1823. Junto ao Maranhão fez parte da segunda colônia portuguesa na América do Sul, debaixo da União Ibérica entre 1615 e 1640, e desde a restauração da independência do reino de Portugal até a dita Adesão.

Começou, portanto, a Amazônia brasileira com o movimento popular de 14 de Abril pela adesão à Independência do Brasil há 187 anos, precisamente. A história da Amazônia reduzida assim, drasticamente, pela historiografia neocolonial esquece muitos fatos antes da queda da França Equinocial ou tomada do Maranhão (1612-1615).

O francês Jean Coussin e o português Duarte Pacheco viajaram a Amazônia em 1498. Vicente Yañez Pinzón sequestrou 36 índios na ilha do Marajó e os levou para as Antilhas como escravos, em 1500, dois meses antes do Descobrimento por Pedro Álvares Cabral: o Brasil já estava "achado" e guardado pelos portugueses, conforme a teoria do segredo.

Até aí a historiografia colonial. Mas, a História como ciência humana há que fechar os olhos para as mais antigas ocupações da Amazônia pelos Primeiros Povos do Brasil? Por muitas décadas a arte negro-africana foi apartada da Arte por decisão arbitrária dos cânones europeus. Do mesmo modo, a antropologia americana se tornou objeto de curiosidade dos colonizadores. Só nas primeiras décadas do século XX começa a inclusão dos mais antigos habitantes do novo continente na história das nações americanas.

Um sentimento de vergonha e de culpa, ademais, conspirou contra a inclusãos dos chamados "índios" na história nacional. Entretanto, graças ao progresso da Ciência evidências arqueológicas revolucionam a História do homem amazônico. Hoje se pode dizer que a primeira cultura complexa (cacicado, sociedade de classes) ocorreu na ilha do Marajó entre os anos 400 e 500 da era cristã. A Cultura Marajoara além disto se notabilizou como Arte primeva do Brasil.

Apesar disto, a luta para inclusão da Cultura Marajoara na política oficial de cultura do país é uma história à parte marcada pelo desinteresse e a arrogância do establishment pela província. Fato que se verifica, sobretudo, pela míngua de interesse acadêmico da elite paraense em relação ao interior da região.


Plano Nacional de Cultura e pluralidade

Seg, 29 de Novembro de 2010 17:56

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Gilmar Machado, no jornal Folha de S. Paulo

Este plano visa propiciar o desenvolvimento cultural e integrar as ações do poder público para a valorização do patrimônio cultural brasileiro

O Congresso Nacional aprovou o Plano Nacional de Cultura (PNC). O ato representa valorização e democratização de uma das maiores riquezas do nosso povo, já que a educação e a cultura são pilares que sustentam o desenvolvimento e o crescimento de toda sociedade. O PNC vai valorizar o nosso povo, com tanta pluralidade de hábitos, costumes e artes. Além de definir princípios e objetivos para a área cultural nos próximos dez anos, a proposta discrimina os órgãos responsáveis pela condução das políticas para a área e aborda aspectos relativos ao financiamento. É um instrumento legal e de controle da sociedade para o cumprimento de metas de desenvolvimento cultural de caráter plurianual.

O projeto resgata valores da educação e da cultura, sendo esta importante ferramenta para alcançar mentes e corações de estudantes, melhorando as condições e a contextualização do ensino e mostrando aos nossos alunos que a cultura e o ensino são moldes para fazê-los crescer como seres humanos. O plano visa propiciar o desenvolvimento cultural e integrar as ações do poder público para a valorização do patrimônio cultural brasileiro. Como diz o texto, será regido pelos princípios de diversidade cultural, de respeito aos direitos humanos, de responsabilidade socioambiental e de valorização da cultura como um vetor do desenvolvimento sustentável.

Visa também estimular a produção, a promoção, a difusão e a democratização do acesso aos bens culturais; a formação de pessoal qualificado para a gestão do setor; e a valorização das diversidades étnica e regional. A história demonstra que tem havido um processo de exclusão da maioria de nossa população. Nossas crianças e nossos jovens, embora herdeiros de um grande patrimônio cultural e criativos o suficiente para enriquecê-lo, não conseguem ver seu próprio rosto na grande produção cultural dominante. A política cultural tem sido privilégio de poucos, que dividem entre si os recursos, sejam eles públicos ou privados, destinados à criação e à produção cultural.

Desde 2005, com a aprovação da emenda constitucional nº 48, o Ministério da Cultura trabalha no tema. Vários fóruns de debates e estudos trouxeram subsídios à formulação do plano e garantiram o aprimoramento das diretrizes que agora orientam a execução das políticas culturais de todo o país. Um dos objetivos dos fóruns regionais era o de fortalecer a ação do Estado no planejamento e na execução das políticas culturais.

Nossa proposta, ao criar o PNC, é estabelecer a transformação das políticas culturais como políticas estratégicas do Estado. Transformado em lei, permitirá ampliar o acesso dos brasileiros aos produtos culturais. Na medida em que cresce o acesso à cultura, aumenta o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e diminui a violência do país.

Professor de história, é deputado federal reeleito (PT-MG), autor do Plano Nacional de Cultura e vice-líder do governo no Congresso Nacional.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Grupo de Trabalho "Neuton Miranda"


C@ras & C@ros,

desde a formação da força-tarefa da GRPU para execução do Projeto Nossa Várzea de regularização fundiária de terras da União, no "Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável do Arquipélago do Marajó" (PLANO MARAJÓ), surgiu preocupação entre lideranças da sociedade civil sobre o futuro das comunidades atentidas pela regularização fundiária.

Ou seja, o que viria depois que cada família ribeirinha tivesse regularizada sua situação em relação à terra pública onde mora (antes, sem nenhuma chance de participar das políticas públicas; inclusive por falta de certidão de nascimento, identidade civil, etc.). Imediatamente, o Projeto Nossa Várzea deflagrou uma série de providências preliminares para identificação, registro e expedição do título de AUTORIZAÇÃO DE USO.

como se recorda, REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA não se confunde com Reforma Agrária. Nesta se faz distribuição de terra e assentamento de migrantes sem terra... Na Regularização, ao contrário, o Poder Público reconhece o direito de ocupar a gleba. E, muito especialmente, a regularização fundiária praticada pelo Projeto Nossa Várzea (de acordo com a Constituição Federal de 1988) atende EXCLUSIVAMENTE a populações ribeirinhas ocupantes das chamadas "terras de marinha" geridas pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU), do Ministério do Planejamento. Nem mais, nem menos.

ficou patente que sem ampla parceria entre a União, Governo Estadual, Municípios e Sociedade Civil a execução do Projeto Nossa Várzea seria extremamente difícil, se não impossível. Porém, a competência gerencial e a paixão pela execução da missão institucional demonstrada por NEUTON MIRANDA conseguiu, no período 2003-2010, ultrapassar meta estabelecida de 40 mil famílias cadastradas e avançar para regularização fundiária de outras regiões do Pará e àrea urbana de Belém. O que valeu ao Projeto prêmio da ENAP em inovação na administração pública brasileira.

o súbito falecimento de Neuton Miranda causou comoção e temor no seio das comunidades ribeirinhas assistidas pelo NOSSA VÁRZEA e a nomeação do eng. agrônomo Lélio Silva, auxiliar direto de Neuton Miranda, para sucedê-lo no cargo federal de gerente da GRPU-PA foi recebida com alívio pela sociedade civil parceira. Contudo, no âmbito desta parcela da sociedade, assim mesmo resta ainda grande preocupação pelo futuro das comunidades já portadoras do título de AUTORIZAÇÃO DE USO, das muitas outras que aguardam expedição e outras que ainda demandam cadastro.

com a mudança de governo federal esperamos que a Presidente Dilma Rouseff, que na Casa Civil coordenou o GEI-Marajó e posteriormente a implementação do PLANO MARAJÓ, será sensível à necessidade de acelerar a regularização fundiária e consolidar o projeto Nossa Várzea atribuindo a ele novas competências para completa inclusão socioambiental da população, a qual chamamos com propriedade a "Criaturada grande" de Dalcídio Jurandir.

do governo estadual eleito não se pode duvidar de que o mesmo honrará a responsabilidade federativa que lhe corresponde. Assim como dos municípios parceiros, um redobramento do engajamento já demonstrado, para que se possa dar todos juntos um salto neste projeto e no PLANO MARAJÓ em geral, notadamente em integração com o programa Territórios da Cidadanis.

de toda maneira, enquanto cidadão voluntários, desejosos de levar a termo as supracitadas ações federativas e avanção mais na integração nacional e no desenvolvimento da Amazônia Sustentável, anunciamos a formação do Grupo de Trabalho "Neuton Miranda" (GT-NM) destinado a participar, enquanto sociedade civil, do referido processo.


pela coordenação do grupo:
José Varella Pereira

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

VIVA MARAJÓ


“Dia do Marajó” chega a quarta edição



Programa Viva Marajó, do Instituto Peabiru, apresenta resultados

parciais de pesquisas realizadas nos 16 municípios do arquipélago



Na próxima terça-feira, 23 de novembro, o Instituto Peabiru realiza mais um “Dia do Marajó”. Nesta quarta edição serão apresentados os resultados parciais das viagens feitas pelas equipes do Programa Viva Marajó aos 16 municípios do maior arquipélago fluviomarinho do mundo. O evento começa às 18h30, no auditório do SESC Boulevard.

Foram seis semanas de encontros com organizações de representação cultural e social das comunidades marajoaras, assim como associações comunitárias e cooperativas locais. Os pesquisadores, acompanhados de jornalistas e fotógrafos, fizeram o registro das principais necessidades e anseios das populações dos municípios tanto da área insular como da continental.


Os primeiros resultados já indicam a importância de ações e políticas públicas que contribuam para a valorização da identidade marajoara, para o fortalecimento de instituições locais, como o Museu do Marajó, ao desenvolvimento de cadeias produtivas sustentáveis e, principalmente, da conservação do patrimônio ambiental e cultural com a criação da Reserva da Bioesfera Amazônia Oriental-Marajó. Após a apresentação, haverá um momento de diálogo entre o público e os coordenadores das equipes que visitaram os 16 municípios do arquipélago.


Encontro mensal - O “Dia do Marajó” reúne todos os meses agentes ambientais, pesquisadores, representantes de instituições e cidadãos para discutir e encontrar novos caminhos para o desenvolvimento sócio-ambiental da região. O evento foi lançado em agosto deste ano pelo Programa Viva Marajó, coordenado pelo Instituto Peabiru e o Fundo Vale para o Desenvolvimento Sustentável, com a participação de 120 pessoas entre representantes de organizações, associações e sociedade civil em geral no Museu Histórico do Estado do Pará – MHEP.



Serviço: Dia 23 de novembro (terça-feira), às 18h30 - “Dia do Marajó”, no Sesc Boulevard (em frente à Estação das Docas). Aberto ao público. Informações: 3222 6000.


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© Francisco Weyl
Carpinteiro de poesia e de cinema
00 55 91 - 8114 8146 /

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www.cinemaderua.blogspot.com
http://www.socialcine.blogspot.com/

domingo, 21 de novembro de 2010

RAÍZES DO BRASIL: a mudança política pela base dos municípios mais pobres

qualquer pessoa que preste atenção ao noticiário da mídia deve saber que, desta vez, a Crise é pra valer. Uma metáfora impressionante lembra que a epidemia de obesidade das classe abastadas em países ricos convive com a fome nas margens mais desgraçadas dos países pobres. A mudança Climática é a face escura da inviabilidade socioambiental do sistema de produção e consumo. Os limites do crescimento estão postos: agora, desenvolvimento sustentável significa melhoria na distribuição de renda e sustentabilidade econômica do mercado doméstico, exatamente, para que haja renda a redistribuir. Poucos países como o Brasil tem chances para fazer isto, mas o perigo da "interdependência" já mostrou as garras pronto para acusar o governo do fechamento da economia. Outrora, chamada política "chinesa"...

em boa hora, o governo do Presidente Lula instituiu o programa Territórios da Cidadania, reunindo municípios de menor IDH em cerca de 120 consórcios. O próximo governo da Presidente Dilma poderá acelerar o programa e fazer dele a locomotiva do desenvolvimento regional sustentável com que o mercado interno venha a compensar a prevista retração do mercado externo global. Então, os 120 territórios federativos podem ser a chamada "salvação da lavoura" de um outro Brasil possível. Algo semelhante à imensa China interna e a agressiva indústria made in China.

todavia, isto não é só querer e deitar falação. Aí está, na verdade, o nó Gordio do serviço público com a caricatura do imortal prefeito de Sucupira, Odorico Paraguassu; a fazer rir, quando se devia chorar; a plateia de palhaços pagadores de impostos, mal servidos e mal pagos que alimenta o êxodo rural com a consequente concentração urbana e de rendas, com a explosão do consumo de drogas e da violência. Mais do que prefeitos bisonhos e vereadores venais, é a apatia da população e a morosidade da Justiça que explicam o fenômeno das eleições dos Enéias e Tiriricas de todos os tempos. Seria necessário reformar os chamados "tribunais" de contas para verdadeira corte unificada de Justiça. Onde mais do que prender e cassar, prevalecesse rápido bloqueio e sequestro de bens a par de penalidade por prestação de serviços comunitário e inegibilidade insofismável pelo aperfeiçoamento da lei de Ficha Limpa.

está claro que os políticos (com as devidas exceções) não arredarão uma palha sequer no sentido de mudar as disparidades regionais e desigualdades de classe. Portanto, a Presidente Dilma terá mais dificuldade no campo interno do que no exterior, como aliás ficou patente no governo do Presidente Lula cuja popularidade não deixa dúvida sobre quem está a seu lado e quem está contra.

nunca dantes neste país, as relações federativas foram tão visíveis. Com estas, um termo complementar, ainda pouco notado pelos leitores de jornais e telespectadores, dito cooperação internacional descentralizada, configura um par de atividades que tem a cara da era da internet e parece talhada para atenuar efeitos colaterais da dieta global que está por vir. Autogestão de comunidades rurais e comunas de bairro poderiam contar com vigorosa participação popular capaz de dar vida nova aos municípios como raízes vitais do gigante Brasil.

a "periferia da Periferia" (no caso, a Amazônia) tem fragilidade social histórica, que a academia brasileira negligencia no estudo do desenvolvimento regional. É a formação do município amazônico, saído das aldeias das missões e do Diretório dos Índios durante da ditadura esclarecida do Marquês de Pombal. O PLANO MARAJÓ e programa Territórios da Cidadania, no Pará, poderiam dar oportunidade às relações federativas para realizar, doravante, referência para uma política inovadora em matéria de desenvolvimento local.

TECENDO A MANHÃ: REDE SOLIDÁRIA DE ÍNDIOS, NEGROS E CABOCOS

parentes,

por favor às criancinhas ribeirinhas das ilhas grandes e pequenas do Grão Pará, leiam, comentem e divulguem o blogue do caboco que vos fala: http://academiaveropeso.blogspot.com/ e sigam no TWITTER @CabocodoMarajo e @zevarela: por aí se propõe um AJURICABANO e a conexão Índio + Negro com nexo sem complexo no DIA DA CULTURA MARAJOARA - 20 de Novembro - DIA NACIONAL DA CONSCIÊNCIA NEGRA.

Marcos Terena tem muita razão em insistir na sua pregação dizendo que os índios são - de direito e de fato - os Primeiros Povos do Brasil!

Mas, ninguém mais do que os povos indígenas sabe o que é ser discriminado e o quando difícil reunir todas as "tribos"... Entretanto, a história geral do movimento mundial da NEGRITUDE nos ensina que o caminho da abolição real da ESCRAVIDÃO e do PRECONCEITO é uma luta de todos os dias ao longo de muitas vidas e diversas gerações.

eu tenho um sonho: fazer da ilha do Marajó o "centro do mundo" que está nascendo da luta universal pelos Direitos Humanos e da proteção do Meio Ambiente. Sei, todavia, que este sonho "meu" é utopia de todo mundo, desde que o mundo é mundo... Estou a rabiscar o último ensaio de uma rústica trilogia caboca ["saída do mto"], que é a "Breve história da gente marajoara"...

um livrinho tão descosido e desamparado de saber acadêmico, todavia com enorme ambição! Caso a Nação Brasileira venha a despertar e entender o que querem os ÍNDIOS, NEGROS e CABOCOS, Marajó poderá a vir a ser considerada pelas futuras gerações a Capital memorial dos índios brasileiros.

se o caboco tivesse meio quilo de talento do "índio sutil" [vide www.dalcidiojurandir.com.br] a "Criaturada grande" [populações tradicionais], congregando Índios, Negros e Cabocos, estaria bem na foto; o bravo Povo Brasileiro inteiro haveria de se empoderar do maltratado MUSEU DO MARAJÓ [www.museudomarajo.com.br ] com amparo oficial da União Federal e sustentação científica e política (ver www.marajoara.com ).

MARAJÓ é lugar ancestral da arte primeva do Índio da Amazônia brasileira, donde (antes do "descobrimento" do Brasil foram arrancados os primeiros "negros da terra" (escravos indígenas) da América do Sul.

a Negritude está além da melanina!
(ela é a condição humana da revolta da INTELIGÊNCIA contra a ditadura do Homem lobo do Homem: isto é, a revolução da Solidariedade).
Zé Varela

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

declaração de um teimoso voto facultativo

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Há muito tempo, fui "encomendado" por meus pais, por método tradicional, na periferiazinha da vila Itaguari [Ponta de Pedras, ilha do Marajó]chamada, com graça e propriedade, o Fim do Mundo... Por necessidade médica, minha mãe atravessou a baía em canoa à vela para ter parto natural de seu primeiro filho na maternidade da Santa Casa em Belém do Pará, onde eu vim ao mundo no dia 30 de outubro de 1937.

Mero acidente geográfico. Pois, com poucos dias de nascido, deram-me nome cristão e batismo na igreja da Santíssima Trindade e logo fizemos velas de retorno à ilha natal da antiga família marajoara, da qual uma de minhas avós houve raízes indígenas e outra era imigrante da Galícia de segunda geração. No ano que eu nasci, meu avô paterno, fundador da gazetilha "O Arary", aqui representada; foi informado pelo atravessador João Catumbí, nosso parente por parte de minha falecida avó tapuia Antônia Silva; que o jornalista seu filho e meu tio paterno Dalcídio José Ramos Pereira [Dalcídio Jurantir] estava preso no Presídio São José, lugar de triste fama. Mas também lugar histórico, segundo o historiador Barão de Guajará, na Cabanagem quando era quartel e a tropa se amotinou e passou ao lado rebelde às ordens de um certo capitão Gomes Varela, cujo nome sugere origem galega...

Pobre avô Alfredo Pereira, amigo de fazendeiros, ter o filho preso entre ladrões de gado! Ainda por cima acusado de comunista, era demais para o devoto de Santa Rita de Cássia: cuja imagem segundo a história oral da família foi achada por meu bisavô Raymundo Pereira, Voluntário da Pátria, em campo de batalha na Guerra do Paraguai. Coube então a meu pai viajar a Cidade para se inteirar dos fatos e trazer notícia ao velho Pereira. Sidraque Pereira, irmão adotivo e soldado da PM, com mil cuidados dando guarda no presídio conseguiu trazer recado do preso escrito num pedaço de papel: "queimem meus livros", dizia a mensagem.

Como se está lembrado era tempo da II Guerra Mundial e a bruxa estava solta no Estado Novo com a polícia fascista de Felinto Muller. Cresci na ilha do Marajó à margem da história ouvindo estórias do arco da velha com raras viagens a Belém e uma tragédia familiar com internamento psiquiátrico de minha mãe no horroroso Hospício Juliano Moreira. Cerca dos 20 anos de idade, desenganado da vida rural e da pequena burguesia pontapedrense, deixei com a família a antiga herdade do avô camponês Francisco (aliás, Celestino) Pérez Varela e fui buscar trabalho e estudo na cidade grande. Sabendo escrever e ler corretamente, todavia completamente analfabeto político fiz um percurso invulgar para um caboco ilhano da minha laia, errando pela direita até me tocar e procurar minha turma na esquerda comunista. Fui repórter e cronista bissexto, publicando entre outras coisas um provocativo folhetim "A Face Oculta do Ver O Peso", com que a mosca azul me picou e eu larguei o empreguinho (sem carteira assinada) no jornal para entrar de cabeça uma utópica aventura eleitoral, aos 23 anos de idade, ao lado do veterano ex-prefeito Fango Fontes em disputa, respectivamente, dos cargos de vice e prefeito de Ponta de Pedras. A gente sabia que não tinha chances de ser eleitos, mas tirando votos da velha oligarquia local favorecer uma virada no panorama de aldeia. Foi o que sucedeu, com eleição de Nhorito Noronha, do velho PTB de Jango Goulart e eu me empolguei com a Reforma Agrária: se já não bastasse ser sobrinho do comunista Dalcídio Jurandir, dali em diante mais que nunca fui taxado de comunista (até fui honrado de expulsão do reacionário PRP, onde peguei o bonde errado; como "perigoso agitador do comunismo internacional"... eu que, então, além de Belém e Marajó só conhecia Abaetetuba e Bragança!)

Foi quando conheci um dos mais íntegros e competentes juízes de Direito do Estado do Pará: Ary Mota da Silveira e ao lado dele assisti, da porta do "Café Albano", desfile de caminhões da empreiteira ECIR conduzindo soldados no golpe de 64. Lembro-me ainda ouví-lo dizer: "lá vai o filho da lavadeira contra o filho da lavadeira"...Nunca me esqueci da mais cristalina lição política sobre a manipulação da classe burguesa sobre a classe dos trabalhadores.

Estou escrevendo estas lembranças pensando no próximo dia 31, decidido a repetir a dose do primeiro turno e votar nas candidatas do Partido dos Trabalhadores (PT)-- Ana Júlia e Dilma -- para "festejar" meus 73 anos de idade e comemorar o aniversário natalício do Presidente Lula, hoje, 27 de outubro. Já fui "alforriado" do voto obrigatório e, portanto, apesar do feriadão vou à urna com meus "pareceiros" analfabetos, os moços e os velhos do voto facultativo.

O candidato adversário ao governo popular do Pará canta larga vitória animado por pesquisa de intenção de voto. Portanto, a se crer na pesquisa além do meu voto ser facultativo ele será, coitadinho, inútil. Mas, eu não me intimido nem arredo pé! Ao contrário da multidão de marias-vai-com-as-outras; tenho vasta coleção de votos vencidos, dos quais eu não me arrependo. Não tenho nada pessoal contra o ínclito economista Jatene, ex-governador e canditado tucano, até joguei meio tempo nesse time em época em que o PSDB parecia um avanço sobre o passado. Mas agora, mais que nunca, a modernização conservadora que foi marca registrada da pseuda social-democracia brasileira, é retrocesso certo debaixo do marketing colorido.

Como diria o ilustre prof. Theotonio dos Santos em carta aberta a seu colega Fernando Henrique Cardoso, gosto de vocês mas os quero longe do poder. No caso do caboco que vos fala, não morro de amores pelo governo PT, mas os cabocos temos instinto de sobrevivência e o pouco alcançado pelo Povo Marajoara veio com Lula e Ana Júlia, depois de quatro séculos de opressão colonial. Uma volta ao passado colocaria seriamente em risco o pouco em troco do nada. Ainda que as festas da feliz elite burguesa faça um rio de cerveja para tontear os mais tolos.

Mal com o governo do PT, pior sem sem ele; esta gente!

terça-feira, 19 de outubro de 2010

acampamento "Dalcídio Jurandir"

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a arte imita a vida. Em 1939, na vila de pescadores de Salvaterra, quando Dalcídio escreveu o primeiro romance sociológico brasileiro, chamado "Marajó"; ele não imaginou que a presepada do personagem Missunga (filho do latifundiário coronel Coutinho), ao fazer arremedo de reforma agrária nas terras da fazenda Marinatambalo, no rio Paricatuba, viria ser de verdade a regularização fundiária da comunidade ribeirinha marajoara.

muito menos, o romancista da Amazônia pensou que um dia no cenário do massacre dos sem-terra de Eldorado de Carajás viesse a existir, 50 anos depois da escritura de "Marajó", um acampamento de assentamento do MST chamado "Dalcídio Jurandir". Ver a seguir:

Por João Márcio
Da Página do MST

http://www.mst.org.br/MST-garante-producao-em-antiga-fazenda-de-Daniel-Dantas

No dia 24 de outubro, 390 famílias do acampamento Dalcídio Jurandir completam dois anos de ocupação na fazenda Maria Bonita, do grupo Santa Bárbara, ligado ao banqueiro Daniel Dantas, em Eldorado dos Carajás (PA). O cenário, antes de pastagem e desmatamento, vai dando lugar à diversidade de plantação. Hoje, os acampados plantam mandioca, batata, mamão, maracujá, arroz, feijão e todos os tipos de hortaliça, além da produção artesanal de farinha.

A fazenda Maria Bonita, segundo o técnico de saúde Enivaldo Alves dos Santos, um dos coordenadores do acampamento, era, antes da ocupação, a área que mais tinha boi por hectares na região do Pará. “Chegamos aqui e tinha só pasto e boi. Agora, plantamos de tudo para comer e vender”, explica. Segundo o professor de agronomia da Universidade Federal do Pará (UFPA), Fernando Michelotti, o acampamento e o futuro assentamento dessas famílias na região seria propício “para a recuperação de áreas devastadas para a criação de gado, até porque o fazendeiro desmata 4 mil hectares por ano, enquanto o pequeno agricultor, no mesmo período, desmata 3, 4 hectares”. Mas, para o grupo de Dantas, isso parece não ser relevante.

“Depois que tudo que plantamos começou a crescer, passou um avião jogando veneno em nossa
plantação”, conta o acampado Francisco dos Santos. Chico não desanima e, empolgado, afirma: “mas é bonito quando ocupamos uma área e começamos a dar vida onde antes não tinha, produzindo”. Ele lembra que, antes das áreas virarem pastagem, elas eram tomadas por castanheiras típicas da região do Pará.

Para o acampado, grupos financeiros de origem internacional ávidos por matéria- prima também fomentam a destruição da floresta e o fim da agricultura familiar. “O capital internacional em busca desses insumos acaba contribuindo para o fortalecimento dessas grandes fazendas para monocultura e o fim do pequeno agricultor”, lamenta. Segundo o professor Michelotti, a criação do gado se dá realmente para a exportação da carne e do couro. E as fazendas em posse dos grupos financeiros são compradas, geralmente, de grileiros da região.

Descobrimento
Além de recuperarem uma área antes destruída e torná-la produtiva, outra preocupação dos acampados é a educação dos filhos. “Quando se ocupa, a primeira coisa que fazemos é organizar uma escola”, diz Chico.

Dentro da escola do acampamento, dividida em 7 salas com aulas em três períodos, 380 crianças aprendem não só o conteúdo escolar obrigatório das cartilhas distribuídas pelo Estado, mas refletem sobre o contexto onde vivem. Cartazes espalhados pelas salas de aula tratam do respeito à natureza e à vida humana, questionando também sobre o verdadeiro papel do solo e da vegetação. Assim, numa das aulas, a professora Leide Laura, ao falar sobre a escravização dos índios, deixa claro mais uma vez o
sentido da educação dada aos Sem Terrinha. Ela explica que Pedro Álvares Cabral não descobriu o Brasil, como sustentam as cartilhas do governo, mas sim, como ainda ocorre na região, invadiu e explorou como pôde os recursos naturais e humanos brasileiros.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

viagem ao interior da Terra

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O historiador e folclorista Fernando Silva, editor de "A Voz de Torcena", Barcarena (Portugal), correspondente amigo desta folha miúda virtual; nos traz à reflexão o drama e salvamento dos 33 mineiros de São José do Atacama (Chile). O autor tem um excelente trabalho sobre a história social da sua terra onde as tragédias do mundo de camponeses e operários faz a ronda. A Fábrica da Pólvora, em Oeiras, por exemplo é sua especialidade. Como o nosso Dalcídio Jurandir no romance proletário "Linha do Parque" as relações de produção e consumo estão subjacentes na obra pouco conhecida de Fernando Silva, um amigo do Marajó em Portugal. Adiante se vê a lavra do amigo que extrai da dura realidade do trabalho o espírito da terra para as altas produções da cultura.

Fernando Silva
A propósito do resgate dos 33 mineiros chilenos

AFINAL AQUI ESTÁ A “VIAGEM AO CENTRO DA TERRA” DE JÚLIO VERNE

Não foi como o disciplinado cientista e professor, Lidenbrock que em Hamburgo, na Alemanha, encontrou no interior de um livro antigo, um indecifrável manuscrito que o seu sobrinho Axel conseguiu decifrar, nem mais, nem menos que uma revelação bombástica do cientista islandês Arne Saknussemm, dando conta de um caminho que o levaria ao centro da terra, através do extinto vulcão Sneffels, expedição que acabaria por ficar célebre na imaginação de um dos grandes escritores do passado, Júlio Verne.
O que ocorreu em Agosto passado, que arrepiou o mundo inteiro, não teve cenário na Alemanha, nem foi mais nenhuma ficção concebida por aquele escritor, mas sim passado no continente americano, onde uma sábia equipa de cientistas conseguiu montar um bem estudado estratagema para levar ao fundo daquela infernal mina, a já famosa “Fénix II”, quase ao centro da terra, a cápsula salvadora que havia de transportar com êxito as trinta e três almas que ali tinham ficado subterradas.
O mundo inteiro esteve de olhos postos naquele local, mais propriamente nas Minas de S. José onde se encontravam os infelizes mineiros, subterrados.
Mas o mais importante neste desastre que já é considerado o mais relevante deste século, foi a alta solidariedade que todo o mundo prestou a esta gente, que só foi salva graças a uma simples, mas importantíssima mensagem de um mineiro, que teve a sorte de chegar ao cimo da terra e dar ânimo a quem a apanhou, lendo com emoção que os 33 homens estavam vivos.
Se não fosse isso, naturalmente já estariam todos mortos, levados pelo desespero, pela loucura e afinal pela terrível situação em que se encontravam no fundo da mina, depois de bloqueadas todas as saídas possíveis.
A operação de salvamento e resgate daqueles martirizados seres que estiveram sessenta e nove dias ali metidos, a 622 metros de profundidade, esteve em curso durante pouco mais de vinte e quatro horas e começou com êxito, trazendo o primeiro homem, o capataz daquele grupo, Florêncio Ávalos de 31 anos de idade, eram precisamente 4 horas e 11 minutos do dia 13 de Outubro de 2010.
A cápsula encontrou alguns problemas que prontamente foram reparados, contudo houve muita expectativa, no sentido de se saber se tudo iria correr bem até ao fim da difícil operação para que todos regressassem a salvo.
As pessoas acordaram de noite com o sentido de saber novidades e na realidade, embora não tivesse acontecido no nosso país, foi uma operação que mexeu com toda a gente, porque ninguém poderá avaliar o que foi a vida daqueles infelizes, mas que foi muito dura, que ninguém tenha a menor dúvida e naquela hora final de resgate, ainda muito mais, porque o grau de ansiedade dos que lá ficavam, vendo o companheiro partir, deveria ser enorme, pois todos, obviamente, pretendiam verem-se livres daquele inferno, o mais rapidamente possível e as horas pareciam nunca mais passarem.
De qualquer forma é de louvar a solidariedade que se concentrou em redor deste acidente, pois todo o mundo se manifestou no sentido de apoiar aquelas trinta e três criaturas e a grande verdade é que, após se confirmar que o êxito tinha sido alcançado, houve muito desespero, ansiedade e precaução para que tudo decorresse da melhor forma, como afinal, felizmente acabou por suceder.
Foi um regresso feliz, na difícil “viagem ao centro da terra”, parecendo quase uma das imortais histórias do grande escritor Júlio Verne, experiência que, se tivesse acontecido na sua época bem ilustrava as suas aventuras, sustentando ainda mais a sua fértil imaginação.
Este regresso dos mineiros foi acautelado, devido ao encontro com a luz do dia, mas ninguém se preocupou com possíveis problemas contraídos e a emoção foi grande junto dos seus incansáveis salvadores que tanto se sacrificaram para que o êxito resultasse, os familiares e os amigos e afinal o mundo inteiro, foram momentos de grande emoção, onde não houve ninguém que não chorasse de alegria, porque na realidade foi um verdadeiro milagre que se registou .
Os mais agarrados à religião, não hesitaram em afirmar que tudo aconteceu a treze de Outubro, data em que, Portugal terá registado mais uma aparição de Nossa Senhora de Fátima, aos pastorinhos, no difícil ano de 1917.
Também nesta área é preciso acreditar, nem que seja a última a recorrer pelo ser humano, mas a verdade, crente ou não, os mineiros acabaram por ser salvos num dia bastante querido para a comunidade cristã.
Este desastre que terminou com assinalável êxito, acabou por trazer, são e salvos os mineiros, das entranhas da terra, mas também proporcionou aos cientistas e estudiosos, grandes experiências que agora terão de ser partilhadas com cada um daqueles heróis, as experiências vividas durante todo aquele tempo em reclusão no fundo do abismo, descrentes na salvação e entregues a uma esperança que parecia vã, mas que afinal nunca os abandonou e por isso venceram.
São estes pormenores que parecem singelos, mas que os cientistas, médicos e toda classe estudiosa terão de analisar, porque daqui irão retirar-se muitas ilações para o futuro, inclusivamente para os cientistas que têm estudado a vida espacial, pois os vários relatos, serão um bálsamo precioso para futuros casos.
É isto que a sociedade terá de aprender e acreditar, muito sustentada pelas teorias ancestrais, “nunca se deve perder a esperança, porque ela é e será sempre a última a morrer” e isso passa por dotar o ser humano com fortes índices de crença, trabalho que competirá aos psicólogos, porque tal qual o que aconteceu com estes mineiros chilenos, muitos outros casos aparecerão e se não se acreditar no velho rifão, “enquanto há vida há esperança”, nada se conseguirá neste mundo, por vezes parecendo complexo, difícil, quase impossível, mas afinal, acabando por se tornar tão simples, tão prático e tão humanitário.
Parabéns aos técnicos, aos grandes heróis desta aventura e afinal ao mundo inteiro que, mais uma vez soube valer a esta infeliz gente, na hora da verdade.
E agora nesta hora de reflexão e de reconhecimento pelo excelente trabalho desenvolvido pelo homem, em prol do seu semelhante, pena é que, em outras situações dramáticas que infelizmente se registam no mundo, estes milagres não aconteçam, porque era sinal de que afinal o ser humano tinha dado as mãos em prol da paz, da cooperação, da tranquilidade e da harmonia ao cimo da terra e muito particularmente em África onde viver, é quase impossível, com a carência de quase tudo e parece não haver olhos no mundo que se abram para estes gritantes casos, onde se vive num verdadeiro caos, uma horrível calamidade, um desumano e verdadeiro holocausto.

sábado, 9 de outubro de 2010

Marajó depende de eleição no Pará e Amapá

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sem complexo de inferioridade, a folha miúda 'O Arary ' sente-se no dever de tentar sensibilizar os poderes da República para problemas de falta de integração das diversas regiões amazônicas, das quais a grande ilha do Marajó faz parte emblemática. O Pará está sob ameaça dum separatismo tipo sangria desatada, no qual projetos de criação dos estados de Carajás e Tapajós, por uma parte, e do território federal do Marajó, por outra; deixariam o antigo Grão-Pará convertido em um deficitário mini-Pará ou inferiorizado Pará-Mirim.

na verdade, a República Federativa do Brasil deverá ter, no futuro, algo como 50 estados federados. Todavia, por que são agora os estados amazônicos brasileiros alvo dessa divisão a toque de caixa? E não estados das regiões mais desenvolvidas do país, cujo desmembramento poderia desconcentrar a riqueza nacional. Esta é a pergunta que não quer calar. Paira, então, suspeita de que o colonialismo interno e externo retalhando a Amazônia visa a colocar em prática o antigo aforismo "divide e impera"; com que Roma minava resistência e impunha satrápias e províncias dóceis a seu mando. Fica aqui em suspenso a questão do separatismo na Amazônia.

chamamos atenção agora para a curiosa história do Amapá desmembrado do Pará para dar lugar ao Território Federal depois o atual Estado vizinho da margem esquerda do rio Amazonas. A antropologia e a geografia física das ilhas do Marajó indicavam que esta região insular tem mais a ver com o Amapá do que com o Pará, exceto naturalmente os campos do Arari e furos de Breves. Belém considera Marajó como seu fundo de quintal e Macapá, embora tendo profundas raízes demográficas nas ilhas do Pará, olha aos marajoaras como seus parentes pobres. O resultado da desconsideração política pode ser observada, em grande parte, na emigração cladestina e trabalho ilegal transfronteiriço nas Guianas. Se Amapá e Pará tivessem cooperação interestadual mais incisiva, inclusive do Legislativo e Judiciário; poderiam transformar problemas comuns em soluções conjuntas.

Brasília tem a chave para isto incluindo a esfera internacional no que tange às fronteiras. Mas, aparentemente, considera o Tratato de Cooperação Amazônica (TCA) e a OTCA, única organinação multilateral com sede em Brasília, o patinho feio da nova diplomacia sul-americana. Entretanto, seria a OTCA talvez o fórum especializado para coordenar a agenda das Guianas, incluindo aí as Guianas brasileira (Amapá, parte do Pará e Amazonas e Roraima) e venezuelana (Amazonas, Estado bolívar e Delta-Amacuro). Oxalá o próximo governo federal com os eleitos de 31 de outubro no Pará e Amapá, considerem estas modestas ponderações da nossa folha miúda.

De todo modo, cumpre lembrar aos leitores na internet que a modalidade de cooperação internacional descentralizada poderia desenvolver relações de vizinhança mais dinâmicas na área das Guianas do que tem sido a prática da diplomacia centralizada nas capitais nacionais dos países amazônicos. Então, gostaria de frisar que o Brasil foi prioneiro desta modalidade de relações externas sub-nacionais. Com que os governadores do Rio Grande do Sul, Pedro Simon, no Mercosul; Leonel Brizola, do Rio de Janeiro, no campo da Internacional Socialista e João Capiberibe, do Amapá, na área das Guianas com apoio da Fundação Mitterrand (França), foram pioneiros.

Durante esse tempo, o Pará teve um comportamento displicente sobre o assunto e o Amapá nunca revelou maior solidariedade em relações a seus parentes das ilhas do Marajó. Portanto, as eleições em curso não só são oportunas para debater os problemas de vizinhança transfronteiriça como também para esboçar uma aliança interestadual capaz de coordenar a pauta do estuário amazônico como um todo.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Ave Guará, pássaro caruana!

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O pássaro Guará Eudocimus ruber é uma ave ameaçada de extinção, principalmente devido à devastação dos mangues na faixa tropical do oceano Atlântico, mas também pela ação de predadores da espécie e caçadores. Quer dizer, nosso popular Guará (não confundir com o cachorro selvagem de mesmo nome) é um indicador ecológico do bioma de costa marítima americana e ilhas do Caribe. Na cultura tradicional marajoara, ademais, ele é tótem dentre outros da paisagem cultural insular. Símbolo de energias telúricas denominadas "caruanas" na Encantaria regional, pela arte e ciência de pajés sacacas ["pajés de 7 fôlegos" ou "pajés verdadeiros"...].

Será talvez o pássaro Guará representação do "espírito santo" dos cabocos ribeirinhos, tal qual a Pomba Branca é alegoria da terceira pessoa da Santíssima Trindade para os cristãos. Entretanto, a cosmogonia herdada dos índios ao contrário dos europeus começa na natureza para engendrar a cultura: aqui nós contemplamos um respeitável elo da cadeia evolutiva vital entre Natureza e Cultura presente na vida e na morte, segundo a tradicional marajoara. Natureza viva que, através da especificidade e complexidade do "Homo sapiens" amazônida, alça vôo do chão encharcado para o alto reino da imaginação além das nuvens e se materializa na arte popular da terra dos cabocos.

Em sua missão na Amazônia (1652-1661) o padre grande Antônio Vieira, visionário do "Quinto Império do mundo" ou "reino de Jesus Cristo consumado na terra", relatou o costume dos índios do Pará em decorar canoas cerimoniais com plumas de aves da região, notadamente o forte vermelho da plumagem dos guarás-pirangas. Afinal, "guará" é corruptela de Uirá (pássado, em tupi), simplesmente "pássaro vermelho"... No encontro histórico de pacificação das ilhas do Pará e Baixo-Amazonas, no rio Mapuá [Reserva Extrativista Florestal de Mapuá, em Breves] em 27 de agosto de 1659, a cabo da guerra de expulsão dos holandeses e ingleses desde 1623; tratada diretamente com os sete caciques das ilhas do Marajó; o Payaçu dos índios descreve (Cartas, I, 486-487): "... a nação dos Nheengaíbas que tinha prometido fazer a povoação fora dos matos, em que receber aos Padres: e duas léguas antes do porto, saíram os Principais a encontrar as nossas canoas, em uma sua grande e bem esquipada, empavezada de penas de várias cores, tocando buzinas e levantando pocemas, que são vozes de alegria e aplausos...".

Ibis rubra ou guará-piranga a ave Guará para mim tem valor especial. Já tive oportunidade de publicar crônica no jornal "O Liberal", de Belém do Pará, em anos passados a respeito de um certo Natal marajoara: o primeiro em minha memória infantil, no qual minha mãe fez em papel crepon um lindo guará como presente de Papai Noel na vila Itaguari [Ponta de Pedras], na ilha do Marajó. Terminei perdendo o presente entre chuvas e molecagens no quintal, mas nunca esqueci o significado daquele dia para mim. Na quadra junina o Boi-Bumbá e cordões de pássaros, notadamente o cordão do Guará, povoava a vila de sonho e fantasia. Eu vivia, então, na maior ilha fluviomarinha da Terra, mas não sabia; cerdado de lendas e história na mais profunda igonorância de tudo quanto isto representa para a gente marajoara ilhada no gigante Brasil e o vasto mundo.

A ave guará (ibis rubra) do gênero das pernaltas de bico comprido e recurvado, de plumagem vermelho-carmesim com a extremidade das asas orlada de preto carece proteção na futura reserva da biosfera do Marajó. Ele tem seu habitat natural em lagoas e mangues próximos ao mar. O padre José Anchieta refere-se ao guará-piranga em carta de 1560 dirigida ao padre Diogo Laines,em Roma:

"- Há ainda uma ave marinha (aquática) por nome guará igual ao mergulhão, mas de pernas mais compridas, de pescoço igualmente longo, de bico estendido e adunco. Alimenta-se de caranguejos e muito voraz. Dá-se com ele uma perpétua metamorfose. Na primeira idade reveste-se de penas brancas, que se mudam depois em cor cinza, e passando algum tempo tornam a embranquecer, embora de menor alvura que na primeira idade; e por fim, ornam-se de cor purpúrea, belíssima; as quais os brasis muito apreciam, pois com elas enfeitam os cabelos e os braços nas suas festas".



Os guarás são comentados na biografia de Anchieta como protetores contra o rigor do sol, pela formosa nuvem que em certa ocasião fizeram sobre a sua canoa missionária. Esta linda ave pernalta deu origem ao nome da cidade de Guaraparim [Guarapari-ES]. Um curumim (menino) teria indicado a seu pai estas aves que costumam ficar com uma perna recolhida, dizendo: "Olhe, o guará tem uma perna só! Parim (manco)!". Trata-se de uma anedota, por certo. No Pará, diversos topônimos lembram o guará, com a ilha Arapiranga [Uiara-Piranga, guará-piranga] em destaque.

Os mangues e lagoas costeiras do Salgado são povoadas destas aves que se acham ainda no litoral do Nordeste. Mas, infelizmente já foram extintas no Sudeste.

Nome popular: Guará

Nome Científico: Eudocimus ruber

Distribuição geográfica: É encontrada principalmente no norte da América do Sul.

Habitat natural: Manguezais

Hábitos alimentares: Comepequenos crustáceos ricos em carotenos (que dão a cor vermelha)

Tamanho: Cerca de 58 centímetros.

O guará (Eudocimus ruber) é uma ave brasileira encontrada principalmente em manguezais da costa norte da América do Sul. Os guarás fazem parte da família Threskiornithidae, mundialmente conhecida como íbis.

Têm aproximadamente 58 cm, vivem em bandos que chamam a atenção devido a sua exuberante coloração vermelha.

Essas aves alimentam-se principalmente de pequenos crustáceos ricos em carotenos, resultando na intensa pigmentação vermelha que estas possuem. Alguns livros descrevem o bico do guará fêmea diferente do macho, um pouco mais fino e com a ponta negra. Já os machos, no período de reprodução, possuem o bico negro brilhante.

Antigamente guarás eram encontrados até Cubatão, em São Paulo; local de muitos mangues, mas devido à degradação ambiental com a poluição do mar, desmatamento e ocupação dos manguezais, acabaram migrando para outras regiões. O guará foi extinto em grande parte da costa brasileira devido à caça: suas penas eram aproveitadas para adorno, seus ovos eram coletados e os ninhos destruídos, comprometendo assim a sobrevivência da espécie.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

tornar perene o lago Arari: um sonho antigo

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no fogo das paixões que a campanha eleitoral levanta, a propaganda do candidato Paulo Rocha ao Senado da República promete que se o mesmo for eleito há de apresentar e defender projeto para perenização do lago Arari. O blogue "O Arary" fiel à folha míúda que lhe deu origem na antiga vila de Cachoeira do rio Arari não poderia deixar de comentar tal assunto de fundamental interesse público da maior ilha fluviomarinha do planeta. De toda maneira, esta breve nota será apenas para marcar presença e manifestar votos de sucesso ao atual deputado federal para chegar à chamada "câmara alta" do Parlamento Nacional.

vale esperar mais um pouco para voltar ao assunto depois das eleições. Desde agora todavia se deve dizer que a perenização do lago Arari é um velho sonho dos marajoaras e que a justa aspiração da gente merece estudo multidisciplinar profundo com embasamento científico e verdadeira ambição de futuro. Para o que, em se tratando do que é, não apenas um imenso reservatório natural de água da chuva e criatório de peixes que descem dos pantanais ("mondongos")com a estação das águas; mas uma fonte perene da ancestralidade da Cultura Marajoara (primeira sociedade complexa da Amazônia), convém advertir: devagar com o andor porque o santo é de barro!

melhor, devagar porque a gente está com pressa. Desistir jamais. Obrigado ao deputado companheiro Paulo Rocha, notável pela autoria da Lei Contra o Trabalho Escravo. Se Deus quiser ele chegará lá.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

conexões brasilianas do Oiapoque ao Chuí: Cabanagem e Farroupilha

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Hoje é feriado no Rio Grande do Sul em homenagem do povo gaúcho à revolução Farroupinha. Contemporânea a esta, a Cabanagem no Pará está ligada à Farroupilha inclusive pela presença em ambas do genocida Andrea Soares (barão de Caçapava)e do cabano Manoel Angelim Nogueira (irmão de Eduardo Angelim). Preso no Pará e recrutado pelas forças imperiais ele foi mandado lutar contra os farrapos, mas na batalha de São José do Norte o cabano conseguiu escapar e passou a lutar ao lado dos revolucionários gaúchos. Mais tarde, o irmão mais novo do presidente Eduardo Angelim participou da guerra do Paraguai e de volta ao Rio Grande do Sul findou seus dias como estancieiro num rincão gaúcho, ele que vinha de família de retirantes do Ceará no Pará.

Fatos como este devem ser rememorados na história do bravo Povo Brasileiro. Para isto, a rede de Pontos de Cultura pode capilarizar e acelerar a descoberta da história nacional de Norte a Sul. No Pará, o dia 7 de Janeiro de 1835 -- início da maior insurreição popular da América Latina em que o povo assumiu o poder e cuja consumação final se faz agora por meios pacíficos e democráticos --, por costume, ao contrário da Farroupilha a revolução amazônida passa em brancas nuvens. Em lugar de rememorar a resistência paraense com seus 40 mil mortos (em 100 mil habitantes) comemora-se à "data magna" de 15 de agosto, que é exatamente a causa da revolta popular de 1835, como o maior feriado do estado do Pará.

O problema é que, em 1823, nessa data cometeu-se a falsificação histórica por colonialistas ingleses e portugueses para abafar o movimento independentista 14 de Abril que, em 28 de Maio na vila dem Muaná (ilha do Marajó) proclamou formalmente a Adesão do Pará à Independência do Brasil.

Contra falsa "adesão" neocolonial de 15 de agosto, o povo paraense reagiu e foi duramente reprimido pelo mercenário inglês John Pascoe Greenfell no outubro sangrento do mesmo ano. Episódio central que culminou com o assassinato premeditado de 252 nacionalistas asfixiados nos porões do navio São José Diligente, dito "Palhaço" (fato conhecido como "a tragédia do Brigue Palhaço"). Uma história comparativa entre as contemporâneas Cabanagem e Farroupilha, por exemplo, poderia lançar luzes sobre os subterrâneos de nossa história e nos ajudar a construír um Brasil mais brasileiro e democrático (José Varella, Belém-PA, 20/09/2010).

O aniversário da Revolução Farroupilha
Enviado por luisnassif, seg, 20/09/2010 - 07:57
Por Nicolas Timoshenko

Nassif - hoje feriado aqui no Rio Grande do Sul – Comemora-se a Revolução Farroupilha e através do teu blog, se me permites, presto uma homenagem ao meu estado e ao meu povo – sem nenhum viés bairrista.


Revolução Farroupilha (Resumo)

A Guerra dos Farrapos, ou Revolução Farroupilha, que durou dez anos, de 1835 a 1845, foi uma rebelião separatista liderada pelos pecuaristas do Rio Grande do Sul contra o governo imperial do Brasil.

Eles reclamavam da concorrência desleal do charque (carne-seca) vindo de Uruguai e Argentina, cujos impostos eram muito baixos, prejudicando a comercialização do charque produzido no Rio Grande do Sul, destinado, principalmente, à alimentação dos escravos.

�s a batalha de Seival, em 11 de setembro de 1836, o general Antônio de Sousa Neto, das tropas sulistas, proclamou a República Rio-Grandense, naquele momento denominada “República de Piratini”, pois este era o nome da primeira capital ao novo país. O presidente aclamado da nova república foi Bento Gonçalves, pecuarista que havia lutado na Guerra da Cisplatina, contra o Uruguai.

A constituição da República Rio-grandense foi aprovada em 1843, em Alegrete. A República Rio-Grandense teve cinco capitais em seus nove anos de existência: Piratini, Caçapava do Sul e Alegrete (oficiais), Bagé (somente por duas semanas) e São Borja. Seus presidentes foram Bento Gonçalves da Silva e Gomes Jardim. Santa Catarina se uniu aos revolucionários.

Após as vitórias das tropas comandadas por Giuseppe Garibaldi e Davi Canabarro, o Estado se declarou independente em 1939, com o nome de República Juliana e capital na cidade de Laguna.

Ao assumir o trono do Império do Brasil, em 1840, Dom Pedro II tentou estabelecer a ordem política no país e para isso decidiu anistiar os revoltosos. Porém, a revolução continuou e foi preciso que o então Barão de Caxias, Luís Alves de Lima e Silva, comandasse as tropas federais contra os revoltosos.

Com habilidade, Caxias conseguiu entrar em acordo com os revoltosos e a paz – através do Tratado de Poncho Verde – foi assinada no dia 1 de março de 1845, mesmo dia em que foi dissolvida a república Rio-Grandense, dando fim à mais longa guerra civil brasileira.

Os revoltosos foram anistiados e os soldados e oficiais farroupilhas foram incorporados ao exército imperial. Para efeito legal, a República Rio-Grandense ou de Piratini, nem chegou a existir, pois não foi reconhecida por nenhuma nação. Seu resultado prático foi conseguir uma atenção maior do Governo aos Estados do Sul do País e leis protetoras para sua pecuária.

A revolução, que originalmente não tinha caráter separatista, influenciou movimentos que ocorreram em outras províncias brasileiras: irradiando influência para a Revolução Liberal que viria a ocorrer em São Paulo em 1842 e para a Revolta denominada Sabinada na Bahia em 1837, ambas de ideologia do Partido Liberal da época, moldado nas Lojas Maçônicas. Inspirou-se na recém finda guerra de independência do Uruguai, mantendo conexões com a nova república do Rio da Prata, além de províncias independentes argentinas, como Corrientes e Santa Fé.

Chegou a expandir-se à costa brasileira, em Laguna, com a proclamação da República Juliana e ao planalto catarinense de Lages. Teve como líderes: Bento Gonçalves, General Neto, Onofre Pires, Lucas de Oliveira, Vicente da Fontoura, Pedro Boticário, Davi Canabarro, Afonso José de Almeida Corte Real, Teixeira Nunes, Vicente Ferrer de Almeida, José Mariano de Mattos, além de receber inspiração ideológica de italianos carbonários refugiados, como o cientista Tito Lívio Zambeccari e o jornalista Luigi Rossetti, além de Giuseppe Garibaldi, que embora não pertencesse a carbonária, esteve envolvido em movimentos republicanos na Itália.

A questão da abolição da escravatura também esteve envolvida, organizando-se exércitos contando com homens negros que aspiravam à liberdade.

Para saber mais: Wikipédia

domingo, 19 de setembro de 2010

acabem com o Tribunal de Contas!

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Sou cidadão brasileiro, Servidor Público concursado (aposentado por tempo de serviço em 14 de julho de 1998, por acaso no dia da Queda da Bastilha), aos 73 anos de idade junto com idosos, a meninada entre 16 e 18 anos de idade e os analfabetos não sou obrigado a votar nem a trabalhar pelo bem Público. Todavia, voto e não deixo de dar palpite ao poder público como qualquer cidadão na plenitude de seus direitos políticos.

Sabendo disto, um amigo me perguntou se eu sou ingênuo ou um grande "artista" da arte cênica (ou cínica) onde desfilam cobras e lagartos da fauna política. Honestamente, não sei dizer e não estou interessado no rótulo simplista. O que sei, com certeza, é que sou um fracasso em matéria de compra e venda de qualquer tipo de mercadoria. E que, em duas tentativas eleitorais (1961) e (1996), na minha querida vila de Ponta de Pedras, fiz papel voluntário de anti-cantidato.

Tal qual o melhor Ficha Limpa de democracia de primeiro mundo faria o mesmo, como podem adivinhar a minoria livre e consciente da pequena cidade da Ilha do Marajó deu-me a honra de sufragar meu nome, mas felizmente (sic), felizmente, repito; o total de votos foi insuficiente para a pretendida vaga de vice-prefeito, no primeiro caso e de vereador no último.

Com a larga experiência de mais de 40 anos de serviço público em todos níveis da federação, incliundo exterior; um caboco por mais ingênuo que seja acaba limando a credulidade própria de quem vive ilhado no fim do mundo. Por mais rude que a gente seja, cedo ou tarde, acaba aprendendo algo da comédia da arte e ciência política que fez Nicolau Maquiavel odiado e famoso.

Assim, quando depois de muita pajelança meia dúzia de cabocos motivaram a igreja regional a gritar socorro aos pobres das ilhas do Marajó, fomos nós convidados a ir ao Palácio dos Despachos dizer lá o que fazer para remediar o baixo IDH da população. O caboco que vos fala, fazendo jus ao dote de quixote, sentenciou severamente. Acabem com o Tribunal de Contas... Que grande piada!

E mais não foi dito nem perguntado. Como tantas outras vezes demos risadas, tomamos água gelada e sorvemos cafezinho... O tempo passou até a piracema de assinaturas em petição do projeto Ficha Limpa: gato escaldado tem medo de água fria. O caboco não fez romaria no tal movimento que parece arma de dois gumes. De todo modo, para não dizer que nós estamos de acordo com caixas 2, 3 ou 4; mensalinhos ou mensalãos, lobies de toda sorte, etc; digamos logo que estamos prontos a assinar qualquer petição propondo extinção dos atuais cabides de emprego para políticos em fim de carreira chamados "tribunais" de conta.

Aproveitando a maré da faxina pretendida pelo movimento FICHA LIMPA, também o Senado deveria ser extinto e absorvido pela Câmara dos Deputados, Nesta última os célebres "300 picaretas" de sempre, que sugam trabalho de assessores técnicos e de verdadeiros parlamentares; deviam ser obrigados a mostrar a cara e trabalhar contra ou a favor do governo. O País evoluiria do reizado temporário a um quase parlamentarismo, descolando a figura do presidente da República do mito de manda-chuva todo poderoso e responsável por todos humores da República.

Claro, para diminuir um pouco minha taxa de ingenuidade, termino aqui por sugerir concurso e posse de juízes bem preparados e togados em lugar de ministros leigos para assento no TCU. Ou seja, uma justiça de alçada administrativa. Ou, então, a doutrina de Stanislau Ponte Preta (Sergio Porto): implantemos a moralidade pública ou que nos lucupletemos todos!

Como sabem,no passado, algo começou tal qual o contemporâneo Ficha Limpa e a Cristandade terminou mal com o famigerado Tribunal da Inquisição do Santo Ofício.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Plano Mandela e prêmio Nobel da Paz para Lula

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a melhor história é aquela escrita anônimamente com sangue, suor e lágrimas pelo povo na cabeça e no coração da gente. Desta fonte eterna captada por poetas, profetas, políticos, cientistas etc. surdem-se grandes ideias privatizadas ou socializadas conforme os atores no complexo jogo dialético da sociedade de classes.

adiante vai modesto tributo do caboco marajoara ao passado Fórum Social Mundial (FSM), ocorrido em Belém em 2009, e humilde nota ao lançamento da candidatura do Presidente Lula ao Nobel da Paz pela Governadora do Estado do Pará, Ana Júlia Carepa. O prêmio Nobel da Paz e a sugestão de um segundo "plano Marshall", agora em homenagem a Nelson Mandela, para reconstrução socioambiental de povos e populações tradicionais lesados por cinco séculos de colonialismo; são duas proposições convergentes que deviam ser objeto de consideração da opinião pública internacional.

nas eleições no Brasil de 2010 vemos interesse internacional em pressionar o Congresso nacional para aprovar, rapidamente, a chamada lei Ficha Suja ou Ficha Limpa apoiado por "um milhão de assinaturas", clara desconfiança do discernimento dos eleitores brasileiros e de manipulação indevida no lançamento de candidatos sob suspeita de corrupção. Todavia, quando se trata de ir à raíz das seculares desigualdades entre o rico hemisfério Norte e o pobre hemisfério Sul, a maioria de admiradores de Catão faz vista grossa e ouvidos de mercador.

o blogue agradece à multinacional mantenedora desta plataforma tecnológica permitindo a expressão do fim do mundo e ao Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES) por dar eco à proposta do caboco. (José Varella, Belém, 17/09/2010).

A lição de Mandela para uma Amazônia em perigo
Por José Varella*

Em 2009, vamos ter em Belém do Pará oportunidade única de
fazer história pós-colonial no acontecimento do Fórum
Social Mundial no imenso portal ribeirinho do golfão
marajoara, no qual as Amazônias verde e azul se unem
inseparavelmente. Espaço cultural onde, há 350 anos no
Arquipélago do Marajó, rio Mapuá (Breves-PA, de 22-
27/08/1659), o payaçu dos índios Antônio Vieira célebre
pela utopia sebastinista do “Quinto Império”; oficiou a paz
impossível entre as duas margens do rio das Amazonas. E,
assim, as duas partes desavindas numa guerra colonial
(1623-1647) deram base concreta de fato consumado à futura
revogação do tratado de limites de Tordesilhas (1494), que
viria enfim por força das evidência habilmente defendidas
por Alexandre Gusmão na mesa de negociação, um século
depois, obter reconhecimento do uti possidetis real através
do tratado de Madrí (1750): a “ruptura” efetiva de uma
linha colonial imaginária!...
Mas, não é verdade que menos de uma centena de militares e
padres portugueses dominassem multidão bárbara de milhões
de “índios” amorfos... Houve, sim, convergência de diversos
interesses locais: essa convergência inter-amazônica é que
deu materialidade à tese do uti possidetis real de 1750.
Chamou-se, geopoliticamente, estado-colônia do Maranhão e
Grão-Pará (1621-175) e depois do Grão-Pará e Maranhão até
1823. Agora Amazônia Brasileira (com nove estados
federados: Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima,
Tocantins e parte do Maranhão e Mato Grosso). Foram nações
índígenas que, movidas por disputas internas milenares e
premidas por circunstâncias externas em choque cultural
jamais vivienciado por elas, optaram por algo que ainda não
está claro à mentalidade superficial dos “brancos”...
Compreende-se, então, a razão política elitista pela qual
falta interesse acadêmico a fatos insólitos como este.
Portanto, alguns patriotas querem promover inclusão social
da gente ribeirinha, sem antes providenciar a inclusão da
cultura popular na História do Brasil. Porém, Euclides da
Cunha já havia advertido a República Brasileira sobre a
histórica marginalização do homem amazônico, que não é
“índio”, nem “quilombola” e talvez nem mesmo “amazônida”.
Mas, unicamente ser humano, como qualquer outro da Terra,
dotado de razão e consciência como reza a convenção
universal dos Direitos Humanos. Com direito fundamental de
ser possuidor da nacionalidade que ele mesmo ajudou a
construir, ocupando ancestralmente o espaço comum e mais
tarde delimitando o território nacional.
A “ruptura” de Tordesilhas é o fato essencial que os remos
e arcos do bom-selvagem Tupinambá demonstraram ser uma
fantasia cartográfica das Cortes, face a uma realidade
autóctone. Pela qual a transgressão portuguesa cometida
pela entrada de Pedro Teixeira, de Belém a Quito (1637-
1639), em fins da União Ibérica (1580-1640) serviu de
fundamento antes de ser relato escrito com tinta no papel.
Todavia, uma história regional nascida das contradições
dilacerantes do colonialismo, em meio a controvérsias de
interesses mundializantes no choque entre Reforma e Contra-
Reforma, tendo no meio o conflito árabe-europeu e o antisemitismo
recheando o debate. Aspectos amazônicos da
expansão ocidental poucos estudados e divulgados, dizem
respeito à lesão ao direito de autodeterminação de um povo
valente que, resistindo a invasões e abandonos, insiste
ainda em se integrar ao Brasil por atração geográfica da
América do Sul e a opção preferencial pela cultura
lusofônica internacional.
Recado a Mandela pelos bons ofício do embaixador honorário do Pará
Vivemos conseqüências do passado: o século 21 é estuário de
tantos acontecimentos que jazem entre chuvas e
esquecimentos. O momento de um pacto federativo sem
precedentes, que se chama Plano Marajó (Plano de
Desenvoltimento Territorial Sustentável do Arquipélago do
Marajó), como resposta da República Federativa do Brasil a
uma demanda do povo das ilhas, cujas origens se podem ver
desde o século XVII nas cartas do Padre Antônio Vieira ao
rei de Portugal ao reportar protestos do cacique Piié Mapuá
(cf. Serafim Leite), colocado nas circunstãncias como
porta-voz dos Nheengáibas insubmissos à ordem colonial.
Que melhor ocasião para iniciativa paraense de alcance
mundial, motivando apoio de personalidades emblemáticas,
como o casal Nelson Mandela e Graça Machel (ela, viúva de
Samora Machel, herói nacional de Moçambique), por
intermédio de Jack Lang, o Embaixador voluntário do Pará e
paladino da latinidade?
O mundo acossado pela mudança climática e o inexorável
avanço do fosso entre ricos e pobres carece de um Plano
Mandela. O que seria isto? Um pacto social mundial com base
na experiência e contradições históricas da África do Sul.
Equivalente para o terceiro mundo ao que foi o plano
Marshall para reconstrução da Europa devastada pela Guerra
Mundial. Urge inventar o tempo pós-colonial como
instrumento de paz mundial duradoura: um mundo pós-moderno
para todos.
Marajó devido sua expressão geográfica na paisagem cultural
do estuário amazônico, está presdestinado a mandar um tal
recado ao mundo industrial que caminha em direção ao
impasse definitivo entre sociedade e natureza. Mas, sejamos
sinceros falta na comunidade pan-amazônica interlocutor à
altura do desafio. Então, se o desenvolvimento econômico
devastador fez grande Dívida Externa, que resulta no IDH
que temos nas ilhas do Marajó, por exemplo; será necessario
contrair na África uma dívida moral, ainda maior do que já
temos com os escravos africanos vindos a Amazõnia poupar a
última parcela indígena de genocídio total.
Síndrome de Versalhes em paisagem urbana de terceiro mundo
Testemunhei por acaso o desabafo do sociólogo pósindustrial
Domenico De Masi contra a irremediável feiúra e
non-sense climático de certos espigões de concreto no Pará,
que assassinaram belos casarões da arquitetura lusotropical
da “cidade das mangueiras” a fim de lhes tomar o
lugar evocando nomes de torres e palácios da velha Europa
transplantada aos tristes tropiques.
Os povos são vítimas inevitávies dos tempos modernos, como
na antiguidade o imperialismo faraônico carecia de multidão
de escravos para construir mausoléus. A insuportável
ditadura dos mortos sobre os viventes. Esta expandida
seqüela já está sendo chamada alhures de “síndrome de
Versalhes”: estranha compulsão das elites nacionais a
colecionar elefantes brancos ao custo do desenvolvimento
humano das classe trabalhadoras e da alienação da pequena
burguesia bombeada pelo cartão de crédito que vai desaguar,
enfim, no grande mar das corporações financeiras.
Mas, já sabíamos que a antiga aliança do trono com o altar
foi substituída pelo pacto entre a imagem e o dinheiro. O
que fizemos então? Praticamente nada! Mas, as populações
tradicionais poderiam nos mostrar o caminho da
sustentabilidade? Certa vez um paje Ianomami garantiu que
no fim da história seriam eles, os pajés, que salvariam
brancos e não-brancos... Era preciso decifrar a
complexidade de Morin e fazer a aposta de Pascal para,
talvez, chegar perto do pensamento neotropical daquele
profeta da selva amazônica...
Como metáfora da tragédia global, o palácio de Versalhes
numa fria manhã de Paris é comparável a um templo vazio
onde fantasmas costumam meditar e lamentar tão grande
alienação de súditos e escravos perdidos a sustentar deuses
e reis, para edificar monumentos à loucura como o caso das
pirâmides do Egito. Cortaram-se as reais cabeças mas não a
cultura do desperdício que está dentro de nossas cabeças.
Para concluir o percurso parisiense e não se retornar de lá
sob efeito hipnótico das Luzes, convém ir despertar da
ilusão na praça da Bastilha.
Foi o que fiz uma vez andando à deriva pela pátria de
Astérix. Hoje, na perifeira uns querem ser o rei do gado,
outros da soja ou do fast-food.. Todos aspiram a habitar
arranha-céus com nome da Belle Époque carregada sobre as
costas dos pobres do mundo. Em Belém temos ainda o belo
prédio Paris n'América que deve ser preservado, acredito,
como centro de estudos históricos dos seringueiros da
Amazônia. Um busto de Chico Mendes deveria ser colocado em
seu vestíbulo: para que os visitantes compreendessem que
sem seringueiros não teria nascido a indústria da borracha,
inclusive o pneumáticos de automóveis... Cuja mais valia
foi apropriada na arquitetura que deve ser democratizada,
no futuro, pelo povo que ainda hoje dorme na rua debaixo de
chuva ou do brilho das estrelas...
A síndrome da deficiência cultural adquirida pela
propaganda primeiromundista é um contágio pior talvez do
que a AIDS, pois àquela não há preservativos nem remédios
distribuidos gratuitamente. São os afetados pelo mal do
consumismo que têm que arranjar dinheiro, Deus sabe como, e
pagar e pagar desde o nascimento até a morte. Então, o
movimento anti-colonial ainda incompleto é uma genuína
revolução cultural pelo bem da humanidade inteira.
Inclusive os burgueses. Não se trata de modo nenhum em
estar contra a velha Europa, mas pelo contrário; estar com
ela incentivando a reconstrução do mundo pós-colonial para
o salto da História do Futuro...
Ajudar a velha Europa mundializante a morrer e a renascer,
simultaneamente. Como a Fênix mitológica. Missão histórica
da Latinidade desde os confins do mundo: a periférica
Galiléia é exemplo clássico da dialética centro-periferia,
entre o Norte e o Sul, Oriente-Ocidente: a Diáspora
infinita: pelo pensamento oriental, a serpente que morde a
própria cauda... Esta revolução mundial permanente que Jack
Lang e Hervé le Bras tratam magistralmente em Immigration
positive. Trata-se, então, de propor uma resposta adequada
à Globalização a partir de outras Galiléias dispersas pelas
diversas periferias (inclusive, dentro mesmo das regiões
européias “atrasadas”). Propor desde a Amazônia latina,
aliança estratégica entre Lusofonia e Francofonia no
sentido de uma nova renascença da latinidade universal a
fim de superar suas próprias contradições e converter o
mundo numa Terra sem males para todos.
rei Nelson: imperador do Quinto Império?...
O poeta Pessoa caso houvesse conhecido Nelson Mandela –
mesmo este não encarnando o arquétipo de herói
sebastianista –, poderia tê-lo considerado perfil ideal de
imperador do “Quinto Império”. Ainda mais tendo este a seu
lado uma mulher como Graça Machel, que fala e pensa como
cada uma de 220 milhões de pessoas falantes da língua
portugesa. Dado o triunfo sobre o apartheid na África do
Sul e a sabedoria política que Mandela demonstrou na hora
da verdade acerca das responsabilidades do imoral regime de
Pretória e a necessidade de reconciliação nacional.
Num cenário global o cúmulo do cinismo não espanta, quando
donos da periferia, como a ilha do Marajó, por exemplo;
tomam Dalcídio Jurandir, que denunciou o preconceito racial
e a exclusão social como males absolutos; contratam
advogados do Diabo para dizer ao público desinformado que
trabalho escravo e prostituição infantil no interiorzão
amazônico são fenômenos “culturais” [normais], e que isto
deveria ser tolerado à conta de usos e costumes
testemunhados na literatura dalcidiana... Que sofisticação
na arte de enganar! Quanta falta faz uma releitura de
Antônio Vieira 350 anos depois que ele demonstrou – pela
negociação de uma paz incrível, a fim de evitar uma guerra
impossível de vencer – que inventar um futuro melhor para
todos é preciso, viver não é preciso...
O Pará velho de guerra carece da lição de Mandela, para ir
ao encontro da sua amazonidade sem desprezo da
nacionalidade brasileira, pela qual nossos antepassados
pagaram alto preço. O que mais me seduz na personalidade
grande líder africano é a firmeza de caráter acompanhado de
tão grande dignidade com extrema sensibilidade à
necessidade da política para convivência dos contrários. É
neste aspecto, precisamente, que o herói vencedor do
arrogante regime de Pretória me parece representar o perfil
ideal do rei imaginado pelo payaçu dos Índios, Antônio
Vieira; o imaginado soberano do quinto e último imperio
universal. Uma utopia não-hegemônica capaz de levar avante,
não uma guerra santa até extinção total dos infièis; mas um
Príncipe da paz capaz de assegurar a biodiversidade e a
diversidade cultural como as duas faces da mesma moeda.
Aquele traço especial que faz a diferença entre homens
comuns e o herói. O que levou Jack Lang a chamá-lo de “rei
Nelson”, citando Cornélio: “Nenhum torpe desígnio, nenhuma
ingrata inveja / Atacará o curso de tão bela vida. / Haveis
descoberto toda arte de conquistar os corações”. E nunca
tanto quanto hoje o mundo esteve tão necessitado de heróis!
A Amazônia se prepara para ser, pelo menos por algum tempo,
em 2009, “centro do mundo”: temporariamente o “Quinto
Império” com o Fórum Social Mundial estará instalado às
margens do Guajará. Onde a lição de Mandela deve ser
evocada para presidir o espírito anti-apattheid para
abolição da dicotomia de Davos e progresso do esquema de
Porto Alegre.
A verdadeira revolução jamais ocorrida na história, senão
como longo ensaio para o século 21 no limiar do terceiro
milênio. Mais uma coincidência para as Metas do Milênio,
com fim de prazo na véspera dos 400 anos de fundação da
cidade de Belém do Grão-Pará (2016)... Se parábolas,
arquétipos, simbolismo onírico, alegorias e metáforas
tangentes à realidade servirem a alguma coisa, além do
ideal de beleza e justiça; então a posição geopoltica do
estuário amazônico no encontro dos extremos Oriente e
Ocidente no espaço curvo da biosfera planetária, no “meio
do mundo” entre os hemisférios Norte e Sul, há de querer
dizer alguma coisa...
Mas, a reconstrução pós-colonial está em marcha! A sulafricana
Nadine Gordimer, Prêmio Nobel de Literatura, ao
prefaciar a obra de Jack Lang Nelson Mandela – Leçon de vie
pour l'avenir (Nelson Mandela: Uma lição de vida, na versão
portuguesa, Editorial Bizâncio: Lisboa, 2005) toca num
ponto essencial. Muitos são os livros que tratam da vida e
obra do campeão da África do Sul na luta contra o
Apartheid. Provavelmente, outros mais hão de ser publicados
à medida que as relações Norte-Sul exigirem mais igualdade
e solidariedade entre homens e mulheres de boa-vontade. Até
o conseqüente advento de um grande Plano Mandela para
África, América Latina e as mais pobres regiões do mundo.
Nossa Amazônia está em perigo não apenas pela migração de
mais pobres além dos pobres que aqui já estão, vindos de
bolsões de miséria e desemprego em outras unidades da
federação para o “eldorado”. Nem tanto pelas oligarquias
que desmandam na região. Mas, também pela cumplicidade de
grandes centros de consumo de matéria-prima barata e
trabalho mal pago (para não dizer degradante ou escravo).
Que, saindo do ditado “cada um por si e Deus por todos”, um
Plano Mandela poderia remediar, aqui e acolá, mediante
solidariedade Norte-Sul em alto nível para socorro das
camadas mais carentes da população do mundo. No momento
mesmo em que o Governo Federal, o Estado do Pará e a
comunidade de municípios do Arquipélago do Marajó com a
sociedade civil empreendem todos juntos o Plano Marajó.
Ponto de partida para a Amazõnia Sustentável. Uma mensagem
a Mandela poderia ser passaporte para o futuro, tendo ainda
Paris com a lembrança da queda da Bastilha como grande
portadora do grito do fim do mundo.
José Varella, Nasceu em Belém - Pará - em 30/10/1937. É
ensaista, tem formação em direito e economia. Coordenador
da Universidade Livre Marajó-Amazônia, assessor do Museu do
Marajó e do Instituto Dalcídio Jurandir