blog em memória da gazetilha que "circulou na cidade de Cachoeira do Arari (ilha de Marajó, Estado do Pará) no biênio 1906 / 1907. Fôlha pequena, a 3 colunas. Redigido por Alfredo N. Pereira." (cf. Carlos Rocque, "Grande Enciclopédia da Amazônia"). O editor era meu avô paterno, usava tipográfica manual no Chalé celebrizado nos romances de Dalcídio Jurandir, notadamente "Chove nos campos de Cachoeira" e "Três casas e um rio".

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Município: elo mais frágil da república federativa


O ministro-chefe da Controladoria-Geral da União (CGU), Jorge Hage, vê a corrupção nos municípios como o maior obstáculo ao desenvolvimento nacional sustentável. É uma constatação desconcertante que vem do alto escalão do governo central no momento em que nosso país assume relevante papel no cenário mundial. Certamente, abundam explicações acadêmicas sobre o fenômeno. Todavia, urge solução do problema e para isto cidadãos eleitores dos 5.560 municípios do País deveriam ser convocados e devidamente responsabilizados pelas escolhas políticas que fazem e desinteresse da vida pública que manifestam em suas respectivas comunidades.

Com isto queria dizer, inicialmente, que a descentralização político-administrativa nacional deve ser conquista da cidadania e não benesse das autoridades de plantão: não se trata apenas de descentralizar o governo federal, mas também os governos estaduais e municipais. Não é uma questão "técnica"... Fosse assim já estaria resolvida desde o fim da Ditadura. É sim uma complicada questão politica que tem raízes no patrimonialismo português transplantado ao Brasil-Colônia, como informou Raymundo Faoro no clássico "Os donos do Poder". Enfim, ela denota falta de cultura pública das elites brasileiras. Veja-se, por exemplo, a concentração de poder econômico nas áreas urbanas "nobres" de qualquer cidadezinha do interior e temos aí o mapa social do Brasil em miniatura. Então, para começar é preciso desconcentrar o Município a fim de desconcentrar a União e também os 26 estados da federação.

Eu muito me orgulho em ser Servidor Público de três gerações. Meu avô Alfredo Nascimento Pereira, foi secretário de intendência da Vila de Cachoeira, e meu pai Rodolfo Antônio Pereira administrador do curro e mercado público de Ponta de Pedras, na ilha de Marajó. Comecei a vida pública disputando cargo de vice-prefeito de Ponta de Pedras, fui secretário-contador de Faro (PA), na terra natal pontapedrense secretário municipal de administração, de finanças e por último de meio ambiente. Auxiliar-administrativo na estatal COBAL-sede (DF), oficial de administração (depois agente administrativo) do Itamaraty, admitido por concurso público; em prova de ascenção funcional promovido a oficial de chancelaria do serviço exterior, cargo no qual me aposentei em 1998, depois de 35 anos de tempo de serviço. Já aposentado do governo federal exerci cargo de confiança como chefe de gabinete e assessor da empresa pública de turismo estadual do Pará, PARATUR (1999-2007).

Antes de ter sido funcionário público, como todo caboco da ilha do Marajó, fiz a vida como medíocre apanhador de açaí, vaqueiro de umas poucas cabeças de gado da família, mercador de beira de rio, marreteiro improvisado no lago Arari e feira do Ver O Peso, em Belém. Até que, enfim, pequei a canoa furada do êxodo rural e fui terminar sendo balconista, office boy e repórter de jornal na cidade grande. Falta dizer que com todo este aprendizado na periferia da pátria amada fui mandado a trabalhar no serviço consular em Caiena, Guiana francesa. Aonde muitos emigrantes da minha laia vão parar por falta de emprego nos municípios onde nasceram no lado de cá da fronteira do Oiapoque. No outro lado, passei cinco anos de 1985 a 1990, que costumo dizer que foi meu PhD na escola da vida.

Portanto, tenho alguma experiência para falar do palpitante assunto da CORRUPÇÃO versus DESCONCENTRAÇÃO FEDERATIVA. Como sei antecipadamente que o que eu disser vale tanto quanto palpite de imigrante mexicano na administração de Washington (Estados Unidos), apelo a Millôr Fernandes quando este sentencia: "livre pensar é só pensar".

Penso, logo crio caso:

I - Acabem-se os chamados Tribunais de Contas e convoquem-se juízes togados para tomar conta da canalha que avassala a boa reputação do funcionalismo público neste País;

II - Invertam-se valores das fatias do bolo da arrecadação geral de modo a garantir mais recursos aos municípios menos dotados de meios e mais inovadores em gestão pública compartilhada com a sociedade civil, numa vigorosa política federativa de distribuição de renda. Dos 5.560 municípios brasileiros, menos da metade tem renda própria e real autonomia. Um choque de realidade teria que identificar municípios de "segunda divisão" e emenda constitucional poderia prever cooperação entre estados e União no sentido de prover recursos extras e servir de "encubadoras" de prefeituras através de consórcios intermunicipais, no foco do programa Territórios da Cidadania;

III - Assim, teríamos municípios de autonomia plena, tal como hoje se entende a ordem jurídica geral. E municípios de autonomia relativa, sob tutela estadual e federal, em consórcios intermunicipaís para desenvolvimento territorial integrado sustentável;

IV - Lei nova deveria instituir gratuidade do exercício do cargo de vereador dos municípios de autonomia relativa, submetidos a regime especial de supervisão técnica e controle institucional;

V - De modo geral, todos municípios deveriam ter maior transparência do Executivo com o Legislativo a assumir precedência política como Casa do Povo mantendo acesso direto a todo e qualquer cidadão com informações de interesse público a qualquer hora. Efetivo serviço de integração e participação popular;

VI - as cidades deveriam ser estruturadas de modo tal que todos bairros sejam mini-cidades servidas de serviços públicos e infra-estrutura privada suficiente para uma vida socioambiental equilibrada;

VII - distritos e zonas rurais devem receber benefícios para desconcentração urbana, com incentivos compensatórios tais como assistência à saúde, educação à distância, transportes seguros e adaptados ao meio.

VIII - regiões isoladas e ultraperiféricas devem ter apoio federal para vigilância, comunicação social e segurança da população;

XIX - populações tradicionais devem receber do município atenção especial em conjunto com autoridades do estado e da União nas atividades sociais, culturais e econômicas da municipalidade;

X - o patrimônio histórico e o meio ambiente local devem estar integrados à política local de desenvolvimento sustentável.

Corrupção é suscetível de ocorrer em toda e qualquer relação de poder. Ela, entretanto, é menos difícil de controlar onde há transparência e participação dos cidadãos. A gente vive no espaço territorial do município: ninguém mora na "esfera" federal nem estadual.
JMVP



Da BBC Brasil

Desafio para combater corrupção está nos municípios e na lei, diz ministro

Rafael Spuldar
Da BBC Brasil em São Paulo

O ministro-chefe da Controladoria-Geral da União (CGU), Jorge Hage, vê as irregularidades nas esferas locais de poder, como os municípios, e a lentidão do Congresso em aprovar uma nova legislação como os maiores desafios no combate à corrupção no Brasil.

"O Brasil é um país federativo, que tem 26 Estados e 5.560 municípios onde sabemos que a situação ainda é muito ruim", disse o ministro à BBC Brasil.

"Em um país com as dimensões do Brasil, tem que descentralizar (os programas federais). Mas descentralizar traz um deficit de segurança quanto ao nível ético e de integridade das administrações locais."

Hage afirma que, durante as auditorias realizadas pela Controladoria-Geral da União (CGU) junto aos municípios para fiscalizar o uso de recursos federais, são encontradas "coisas assombrosas" em termos de corrupção e mau uso de verbas.

Para o ministro, são casos como estes, que ocorrem nos governos locais, que geram a "reprodução inercial" da impressão de que existe muita corrupção no país - uma tese que ele classifica de "balela".

"O Brasil não pode ser considerando no contexto internacional como muito corrupto, ele está na média", afirma Hage, que cita pesquisas como o Barômetro Global da Corrupção, da ONG Transparência Internacional, no qual o país aparece como um dos que têm menos relatos de pagamento de propinas.

CliqueLeia também na BBC Brasil: Para 64% dos brasileiros, corrupção aumentou nos últimos anos, diz Transparência Internacional

Lentidão do Legislativo


Hage também critica o que classifica como demora do Legislativo em aprovar propostas de lei - segundo ele, já encaminhadas pelo Executivo - que aumentam a rigidez das punições em casos de corrupção.

Entre os projetos citados pelo ministro, estão o que regulamenta os conflitos de interesse, o que tipifica como crime o enriquecimento ilícito de agentes públicos e a lei que transforma a corrupção em crime hediondo, aumentando as penas e reduzindo as chances de liberdade condicional.

Além disto, Hage defende uma mudança na legislação processual, que prevê, segundo ele, possibilidades "intermináveis" de recurso e alimentando o sentimento de impunidade por parte da população.

"Os corruptos são os que podem contratar os melhores escritórios de advocacia do país, e um bom escritório encontrará sempre a possibilidade de criar mais um incidente, mais um recurso, mais um agravo, mais um embargo... e isto não deixa a sentença transitar em julgado", diz o ministro.

Mobilização popular


Hage vê o movimento em favor da lei da Ficha Limpa como um exemplo de mobilização popular que ajudaria a pressionar o Congresso a aprovar os projetos de lei. Além disto, ele defende o financiamento público de campanhas e partidos, para reduzir a corrupção no meio político.

Para o ministro, outra alternativa para o combate à corrupção é atuar junto a governos locais, com a adoção de portais da transparência (que estão previstos em lei e divulgam com detalhes os gastos do poder público) e com o estímulo à participação dos cidadãos para fiscalizar os governantes.

* Colaborou Paulo Cabral, repórter da BBC em São Paulo

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