blog em memória da gazetilha que "circulou na cidade de Cachoeira do Arari (ilha de Marajó, Estado do Pará) no biênio 1906 / 1907. Fôlha pequena, a 3 colunas. Redigido por Alfredo N. Pereira." (cf. Carlos Rocque, "Grande Enciclopédia da Amazônia"). O editor era meu avô paterno, usava tipográfica manual no Chalé celebrizado nos romances de Dalcídio Jurandir, notadamente "Chove nos campos de Cachoeira" e "Três casas e um rio".

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Ave Guará, pássaro caruana!

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O pássaro Guará Eudocimus ruber é uma ave ameaçada de extinção, principalmente devido à devastação dos mangues na faixa tropical do oceano Atlântico, mas também pela ação de predadores da espécie e caçadores. Quer dizer, nosso popular Guará (não confundir com o cachorro selvagem de mesmo nome) é um indicador ecológico do bioma de costa marítima americana e ilhas do Caribe. Na cultura tradicional marajoara, ademais, ele é tótem dentre outros da paisagem cultural insular. Símbolo de energias telúricas denominadas "caruanas" na Encantaria regional, pela arte e ciência de pajés sacacas ["pajés de 7 fôlegos" ou "pajés verdadeiros"...].

Será talvez o pássaro Guará representação do "espírito santo" dos cabocos ribeirinhos, tal qual a Pomba Branca é alegoria da terceira pessoa da Santíssima Trindade para os cristãos. Entretanto, a cosmogonia herdada dos índios ao contrário dos europeus começa na natureza para engendrar a cultura: aqui nós contemplamos um respeitável elo da cadeia evolutiva vital entre Natureza e Cultura presente na vida e na morte, segundo a tradicional marajoara. Natureza viva que, através da especificidade e complexidade do "Homo sapiens" amazônida, alça vôo do chão encharcado para o alto reino da imaginação além das nuvens e se materializa na arte popular da terra dos cabocos.

Em sua missão na Amazônia (1652-1661) o padre grande Antônio Vieira, visionário do "Quinto Império do mundo" ou "reino de Jesus Cristo consumado na terra", relatou o costume dos índios do Pará em decorar canoas cerimoniais com plumas de aves da região, notadamente o forte vermelho da plumagem dos guarás-pirangas. Afinal, "guará" é corruptela de Uirá (pássado, em tupi), simplesmente "pássaro vermelho"... No encontro histórico de pacificação das ilhas do Pará e Baixo-Amazonas, no rio Mapuá [Reserva Extrativista Florestal de Mapuá, em Breves] em 27 de agosto de 1659, a cabo da guerra de expulsão dos holandeses e ingleses desde 1623; tratada diretamente com os sete caciques das ilhas do Marajó; o Payaçu dos índios descreve (Cartas, I, 486-487): "... a nação dos Nheengaíbas que tinha prometido fazer a povoação fora dos matos, em que receber aos Padres: e duas léguas antes do porto, saíram os Principais a encontrar as nossas canoas, em uma sua grande e bem esquipada, empavezada de penas de várias cores, tocando buzinas e levantando pocemas, que são vozes de alegria e aplausos...".

Ibis rubra ou guará-piranga a ave Guará para mim tem valor especial. Já tive oportunidade de publicar crônica no jornal "O Liberal", de Belém do Pará, em anos passados a respeito de um certo Natal marajoara: o primeiro em minha memória infantil, no qual minha mãe fez em papel crepon um lindo guará como presente de Papai Noel na vila Itaguari [Ponta de Pedras], na ilha do Marajó. Terminei perdendo o presente entre chuvas e molecagens no quintal, mas nunca esqueci o significado daquele dia para mim. Na quadra junina o Boi-Bumbá e cordões de pássaros, notadamente o cordão do Guará, povoava a vila de sonho e fantasia. Eu vivia, então, na maior ilha fluviomarinha da Terra, mas não sabia; cerdado de lendas e história na mais profunda igonorância de tudo quanto isto representa para a gente marajoara ilhada no gigante Brasil e o vasto mundo.

A ave guará (ibis rubra) do gênero das pernaltas de bico comprido e recurvado, de plumagem vermelho-carmesim com a extremidade das asas orlada de preto carece proteção na futura reserva da biosfera do Marajó. Ele tem seu habitat natural em lagoas e mangues próximos ao mar. O padre José Anchieta refere-se ao guará-piranga em carta de 1560 dirigida ao padre Diogo Laines,em Roma:

"- Há ainda uma ave marinha (aquática) por nome guará igual ao mergulhão, mas de pernas mais compridas, de pescoço igualmente longo, de bico estendido e adunco. Alimenta-se de caranguejos e muito voraz. Dá-se com ele uma perpétua metamorfose. Na primeira idade reveste-se de penas brancas, que se mudam depois em cor cinza, e passando algum tempo tornam a embranquecer, embora de menor alvura que na primeira idade; e por fim, ornam-se de cor purpúrea, belíssima; as quais os brasis muito apreciam, pois com elas enfeitam os cabelos e os braços nas suas festas".



Os guarás são comentados na biografia de Anchieta como protetores contra o rigor do sol, pela formosa nuvem que em certa ocasião fizeram sobre a sua canoa missionária. Esta linda ave pernalta deu origem ao nome da cidade de Guaraparim [Guarapari-ES]. Um curumim (menino) teria indicado a seu pai estas aves que costumam ficar com uma perna recolhida, dizendo: "Olhe, o guará tem uma perna só! Parim (manco)!". Trata-se de uma anedota, por certo. No Pará, diversos topônimos lembram o guará, com a ilha Arapiranga [Uiara-Piranga, guará-piranga] em destaque.

Os mangues e lagoas costeiras do Salgado são povoadas destas aves que se acham ainda no litoral do Nordeste. Mas, infelizmente já foram extintas no Sudeste.

Nome popular: Guará

Nome Científico: Eudocimus ruber

Distribuição geográfica: É encontrada principalmente no norte da América do Sul.

Habitat natural: Manguezais

Hábitos alimentares: Comepequenos crustáceos ricos em carotenos (que dão a cor vermelha)

Tamanho: Cerca de 58 centímetros.

O guará (Eudocimus ruber) é uma ave brasileira encontrada principalmente em manguezais da costa norte da América do Sul. Os guarás fazem parte da família Threskiornithidae, mundialmente conhecida como íbis.

Têm aproximadamente 58 cm, vivem em bandos que chamam a atenção devido a sua exuberante coloração vermelha.

Essas aves alimentam-se principalmente de pequenos crustáceos ricos em carotenos, resultando na intensa pigmentação vermelha que estas possuem. Alguns livros descrevem o bico do guará fêmea diferente do macho, um pouco mais fino e com a ponta negra. Já os machos, no período de reprodução, possuem o bico negro brilhante.

Antigamente guarás eram encontrados até Cubatão, em São Paulo; local de muitos mangues, mas devido à degradação ambiental com a poluição do mar, desmatamento e ocupação dos manguezais, acabaram migrando para outras regiões. O guará foi extinto em grande parte da costa brasileira devido à caça: suas penas eram aproveitadas para adorno, seus ovos eram coletados e os ninhos destruídos, comprometendo assim a sobrevivência da espécie.

3 comentários:

Unknown disse...

Na reserva de Massambaba, no município de Saquarema - RJ, em uma determinada época do ano, migravam, em revoada, famílias de Guarás, para uma das lagoas que existem nessa reserva, sendo que uma delas é de agua doce.
Nessa época, é possível observá-los pela Pedra de Itaúna e tb em suas areias.
Porém, faz cerca de 2 anos que elas não revoam por aqui.
Minha pergunta é a seguinte:
O perído de passagem por Saquarema, é mais de 2 anos, apesar da reserva ainda existir ou se eles estão em extinção no Estado do Rio e o que nós podemos fazer para preservá-los no nosso Estado.
Luiz Jannuzzi
luizjannuzzi@hotmail.com

Lucas disse...

preciso saber quantos anos ele vive

João Delpupo disse...

Bom dia

Poderia informar a fonte de onde foi copiado este texto de Anchieta?

Se possível gostaria ainda de saber de onde veio este relato sobre a suposta origem do nome da cidade de Guarapari

Fico muito grato